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Estréia <i>Feliz Natal</i>, reinventando guerra de Kubrick

Filme francês que concorreu ao Oscar se aproxima de Glória Feita de Sangue

Por Agencia Estado
Atualização:

Será que Stanley Kubrick sabia do caso? Na grande guerra de 1914/18, houve um cessar-fogo na noite de Natal. Foi na França, ocupada pelos alemães. Franceses e seus aliados escoceses, mais os alemães, matavam-se nas trincheiras quando um casal de cantores líricos da Alemanha tomou a iniciativa de entoar canções natalinas, o que levou ao cessar-fogo que durou somente aquela noite, a do Natal de 1914. Inimigos abraçaram-se e confraternizaram. O caso - localizado - foi tratado, literalmente, como segredo de guerra. Revelado, deu origem ao filme de Christian Carion que estréia nesta sexta-feira e concorreu ao Oscar de melhor produção em língua estrangeira deste ano, em fevereiro. Feliz Natal não ganhou a estatueta dourada da Academia de Hollywood, mas em todo o mundo tem causado comoção, não sendo poucos os críticos (e sendo muito os espectadores) que o consideram superior ao vencedor, o filme sul-africano Infância Roubada, de Gavin Hood, com estréia prevista para a sexta-feira, dia 8. O que Kubrick tem a ver com isso? Em 1958, ele dirigiu um dos grandes clássicos antimilitaristas da história do cinema - Glória Feita de Sangue, com Kirk Douglas. O filme baseava-se em outro episódio da 1.ª Grande Guerra na França. Um general ordena um ataque desastrado que resulta num fiasco. O alto comando simula uma corte marcial e condena à morte soldados acusados de covardia e deserção. Kubrick sempre quis fazer o filme definitivo de vários gêneros. Pode-se dizer que, neste caso, ele conseguiu. Glória Feita de Sangue produz forte impacto no espectador, mas sua força talvez não fosse a mesma sem o desfecho - na taverna, os soldados amargam a dor e a decepção face à injustiça flagrante. Kirk Douglas é um deles. Expressa a impotência do homem que lutou pela vida dos condenados, e perdeu. É quando a mulher, uma alemã, começa a entoar uma canção que termina por unir todos aqueles homens, e devolver-lhes a fé - neles, na humanidade. Kubrick construiu sua cena secamente, numa taverna. A dúvida é se ele sabia do episódio agora recriado por Christian Carion. O diretor francês, obviamente, não é Kubrick, um dos grandes (um dos maiores) do cinema. Seu filme apela mais aos sentimentos, o quadro natalino favorece uma certa pieguice, mas é pouco provável que o espectador passe incólume pela experiência que é assistir a Feliz Natal. O bom deste filme talvez não seja ele, propriamente, mas o que enseja. O espectador que for vê-lo, neste começo de dezembro - em cinemas de shoppings, principalmente -, vai encontrar estes templos de consumo já preparados para as festas de fim de ano. E, quem sabe antes, quem sabe depois, poderá ver as imagens reais da Guerra do Iraque, que a mídia não cessa de divulgar. Ontem mesmo, de manhã, jornais e emissoras de rádio e TV ainda repercutiam o anúncio feito pelo presidente George W. Bush, na véspera, de que as tropas americanas não sairão do Iraque enquanto não estiver concluída a ´reconstrução´. Não, não tem nada a ver com redemocratização. O cinéfilo deve lembrar-se de Fahrenheit 11 de Setembro, documentário em que Michael Moore, sempre acusado (e com certa verdade) de manipulação, invadia com sua câmera um banquete de apoiadores do presidente dos EUA, justamente para discutir a reconstrução. Com a maior cara-de-pau, o assessor presidencial dizia que a reconstrução traria dinheiro para todos. E enfatizava, para aqueles senhores da guerra, que estava falando de bilhões de dólares, não mais de milhões. Cada vez mais existe a consciência de que a guerra é caos (o que Stendhal e Tolstoi já sabiam, em seus monumentos literários) e também um negócio sórdido e sujo, no qual a vida humana representa o custo mais baixo. Christian Carion pode exagerar no clima de comoção na tela (e na maneira como o transfere para a platéia), mas seu filme toca um ponto que é essencial. Aquele cessar-fogo espontâneo, no próprio campo de batalha, na própria trincheira, provoca uma reação imediata do alto comando, que vai considerá-lo uma traição (como no filme de Kubrick) e, numa medida preventiva, vai apagá-lo dos anais da guerra, pelo simples motivo de que o negócio estaria arruinado se a proposta se disseminasse. Feliz Natal (Joyeux Noel, 116 min.) - Drama. Dir. Christian Carion. 14 anos. EspaçoUnibanco 1 - 14h10, 16h40, 19h10, 21h40. HSBC BelasArtes 1 - 14, 16h20, 18h40, 21 h (sáb. também 23h20).Unibanco Arteplex 2 - 13h40, 16h10, 18h40, 21h10 (sáb.também 0 h). Cotação: Bom

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