ESTREIA-'Era uma vez eu, Verônica' celebra amor e liberdade feminina

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Por Redação
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Um dos mais conhecidos e premiados diretores do agora muito elogiado cinema pernambucano, Marcelo Gomes parte, em seu terceiro longa, "Era uma vez eu, Verônica", para uma jornada dentro do coração de uma mulher, a médica recém-formada interpretada com corporalidade intensa pela sempre magnética Hermila Guedes. O filme venceu sete prêmios no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: melhor filme (dividido com "Eles voltam", de Marcelo Lordello), ator coadjuvante (W.J. Solha), fotografia (Mauro Pinheiro Jr.), roteiro (Marcelo Gomes), trilha sonora (Karina Buhr e Tomaz Alves Souza), júri popular e o Troféu Vagalume (melhor filme do projeto Cinema para Cegos). É muito raro que, não só no cinema brasileiro, seja uma mulher, como a Verônica de Marcelo Gomes, a encarnar a incerteza diante da vida que é estar aqui e agora, no contemporâneo. Por acaso, ela está no Recife, é solteira, mora com o pai (W. J. Solha) --com quem mantém uma relação extremamente amistosa e afetiva--, acabou de formar-se médica, como sempre sonhou, e inicia uma carreira na psiquiatria. Todos estes elementos alimentam sua paixão e sua incerteza. No cotidiano, Verônica vive tudo o que deseja, com muita liberdade --inclusive em suas relações com os homens, como Gustavo (João Miguel), que procura, muito mais do que ela, estreitar o relacionamento. Verônica não quer, Verônica é livre e nem sabe ainda se vai mesmo se apaixonar --por isso ela diz que não sabe se seu coração é de pedra, traindo a contaminação interna por uma cobrança social a que qualquer mulher é submetida quando transgride o padrão social, o padrão romântico. Só por ter coragem de ir a este lugar na individualidade feminina, Marcelo Gomes já merece elogios. Ter escolhido Hermila Guedes, a estrela de "O céu de Sueli", de Karim Ainouz, é outro tremendo acerto. Poucas atrizes como ela são capazes de enamorar a câmera e sustentar tão intimamente em sua pele uma personagem assim volátil, assim carnal, assim delicada e sutil. Talvez este filme seja uma transição na carreira do diretor, que vem de trabalhos considerados mais radicais, como "Cinema, aspirinas e urubus" (2005) e "Viajo porque preciso, volto porque te amo" (2009, codirigido por Karim Ainouz), mas esta é outra história. "Era uma vez eu, Verônica" vale por si mesmo, pelo momento que flagra de uma personagem que, parafraseando Caetano Veloso, está no ar antes de mergulhar. Não por acaso, as falas dos pacientes deprimidos, desajustados, que procuram a jovem doutora no hospital, infiltram de humanidade a narrativa, evitando que ela se torne centrada demais na figura de sua protagonista, que se mostra encaixada no mundo, procurando, tentando, esperando um novo vento. Estas cenas, aliás, foram gravadas realmente num hospital público de Recife, em pleno funcionamento. Além de revelar, em todas as suas camadas, uma complexa e sensível personagem feminina, também pela liberalidade e beleza com que mostra os corpos no sexo, o filme se torna um poderoso contraponto à vulgarização da sensualidade feminina, disseminada pelas "cachorras" e "periguetes", que no fundo alimentam uma mentalidade reacionária e machista. Por isso, no mínimo, "Era uma vez eu, Verônica, precisa ser apreciado com mais vagar. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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