ESTREIA-Documentário retrata momentos da vida de cineasta belga

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Por Redação
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Habitantes destes tempos de diários íntimos postados na internet e da ultraexposição do ego via Facebook, Twitter e outras mídias têm muito a aprender com a octagenária cineasta belga Agnès Varda no seu belo autodocumentário "As Praias de Agnès". Chegando às telas brasileiras com bastante atraso - foi feito em 2008 -, o filme se resume a uma grande colagem de momentos da vida de Agnès, no ano em que completou 80 anos (ela nasceu em Bruxelas em 1928). Sem dúvida, é uma biografia exemplar, pontuada de ricos momentos cinematográficos, não só dela, integrante do time inicial da Nouvelle Vague com "La Pointe Courte" (1955) como sua parceria cinematográfica e amorosa com Jacques Demy (que morreu em 1990). Indiscutivelmente, o filme se constrói sobre lembranças e ausências sentidas, principalmente a de Demy, mas a vital Agnès, como é seu estilo, opta por não entregar à melancolia mais do que lhe é devido. Inicia a narrativa dizendo que, se as pessoas fossem abertas, se encontrariam paisagens. Dentro dela, essas paisagens seriam praias, explicando o título do documentário. Boa parte da vida da cineasta passou-se à beira-mar, desde as férias da infância nas frias praias da Bélgica, passando por sua casa na ilha francesa de Noirmoutier, onde ela vive desde 1951, assim como um breve período nos EUA, na Venice Beach californiana, onde o casal Varda-Demy conheceu personagens tão distintos como os cineastas Jim McBride (de "A Fera do Rock") e Zalman King ("Nove e Meia Semanas de Amor") e o roqueiro Jim Morrison - que é visto, anos mais tarde, visitando os amigos no set de "Pele de Asno" (1970), dirigido por Demy. Por conta dessa viagem aos EUA, Agnès Varda perdeu a agitação de maio de 1968 na França. Em compensação, captou com sua câmera indícios de outras mobilizações locais, como a luta contra a guerra do Vietnã, no longa coletivo "Loin du Vietnam", e o movimento dos Panteras Negras, que documentou num curta. Um dos aspectos envolventes na cineasta é a capacidade de compartilhar fragmentos de sua vida, reencenando sonhos de infância, cenas registradas em fotos (muitas assinadas por ela mesma), episódios marcantes, ou meros detalhes que depois são recriados em vários filmes - como o citado "La Pointe Courte", filmado em Sète, onde sua família viveu durante a II Guerra; "Cléo de 5 às 7" (que concorreu à Palma de Ouro em Cannes em 1962); até o recente documentário "Os Catadores e Eu" (2000), em que a diretora deu vazão à sua insaciável curiosidade de coletar e colecionar objetos, debruçando-se sobre as pessoas que tiram dessa atividade o seu sustento. Estão presentes em "As Praias de Agnès" não só imagens dos amigos famosos com quem ela filmou, caso dos atores Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Michel Piccoli e Sandrine Bonnaire, como inúmeros personagens anônimos que ela imortalizou em alguns de seus filmes, como os comerciantes seus vizinhos em Noirmoutier. O humor é outra forma encontrada para driblar a saudade que sente de Demy e de muitos amigos que já se foram, como os atores Jean Vilar, Gérard Philippe, Laura Betti e Philippe Noiret. Agnès brinca com situações e personagens, como o colega cineasta Chris Marker, usando um personagem criado por ele para ser seu próprio alter-ego, o gato Guillaume-en-Egypte, como seu entrevistador em algumas passagens. A diretora conversa com os filhos de Jean Vilar, além de seus próprios filhos, Rosalie e Mathieu (ele também ator e diretor de cinema), e seus netos, inscrevendo na tela um círculo íntimo que enfatiza a continuidade da vida e sua eterna transformação. "As Praias de Agnès" é um afetivo monumento fílmico à memória sem nostalgia. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

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