
20 de dezembro de 2012 | 07h47
Por enquanto, a produção já recebeu três indicações no Globo de Ouro --melhor filme, diretor e trilha sonora (Mychael Danna) e figura na lista dos melhores do ano do respeitado American Film Institute.
A simplicidade enganosa que encobre uma sofisticação que se revela aos poucos, aliás, é marca registrada no trabalho de Lee ("O Segredo de Brokeback Mountain"), que aqui recorre ao 3D com muita propriedade. Um dos pontos altos De "As Aventuras de Pi" é a beleza visual estonteante, resultado do trabalho refinado do supervisor de efeitos especiais Bill Westenhofer e do diretor de fotografia chileno Claudio Miranda.
O visual fantástico serve à história de um adolescente, Pi (o estreante Suraj Sharma), que sobrevive a um naufrágio e passa 227 dias à deriva no oceano, contando com a perigosa companhia de um tigre de Bengala num barco salva-vidas.
Pouquíssimas vezes se veem imagens de um animal real. Na maior parte das cenas, o impressionante tigre é o resultado de um ano de trabalho de centenas de técnicos da empresa Rhythm & Rues, que criaram um felino totalmente convincente.
Neste cenário, alguns poderão até pensar que a história, adaptada do bestseller do autor franco-canadense Yann Martel, seria um tipo de cruzamento de desenho da Disney com filme de natureza do Discovery Channel. Nada mais falso. O real tema do enredo é um radical aprendizado de sobrevivência ao qual não faltam momentos engraçados e cenários de uma beleza magnífica.
Até o naufrágio, o maior desafio na vida de Pi fora lidar com as gozações na escola por conta de seu nome inteiro --nada menos do que Piscine Molitor, homenageando a piscina parisiense preferida de seu tio.
Nem mesmo sua peculiar adesão a diversas religiões --além de hinduísta, desde menino ele se aproximara também do catolicismo, budismo e islamismo-- o preparara para ter a força espiritual necessária a uma longa permanência no mar, parte do tempo privado das provisões a bordo do barco que, para piorar, tornou-se território controlado pelo tigre.
Logo depois do naufrágio, o bote se assemelha a um projeto de Arca de Noé, tornando-se refúgio, além do garoto, de um orangotango, uma zebra e uma hiena, antes da chegada do tigre. Todos eles, animais de um zoológico pertencente ao pai de Pi (Adil Hussain) que, com toda a família, rumava para o Canadá para negociar os bichos e iniciar uma nova vida.
Separado dos pais e do irmão, vivendo uma solidão profunda, que vai sendo complicada pelo manejo dos animais agressivos --além do tigre, a hiena não é exatamente dócil--, Pi tem que contar apenas consigo mesmo.
A natureza não lhe oferece apenas desafios de sobrevivência, mas também espetáculos de grande beleza --caso do encontro com os peixes voadores; a visão noturna de um oceano povoado de águas-vivas fosforescentes; a intrusão das baleias; e a misteriosa ilha povoada de suricatos.
Todas estas experiências se somam no relato que um Pi na meia-idade --interpretado por Irrfan Khan-- faz a um escritor (Rafe Spall) sobre seu passado, um recurso da narrativa para plantar a dúvida no espectador: Afinal, tudo isto é verdade ou não? E é desse jogo entre verdades e mentiras que realmente o filme quer falar.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
* As opiniões são responsabilidade do Cineweb
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