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"Estorvo", um livro difícil de ler

Por Agencia Estado
Atualização:

Não foram poucos os fãs de Chico Buarque que tiveram dificuldades para ler Estorvo. Há algo, nesse belo livro, que dificulta a entrada do leitor. No entanto, ele é todo depurado de preciosismos. Não se encontra nele nenhum daqueles vícios de escrita que costumam caracterizar as obras "difíceis". O próprio enredo de Estorvo é muito simples - um personagem paranóico, que vai à casa da irmã, ao sítio da família que encontra invadido por marginais, etc. Não é por aí. Talvez o excesso de filtragem tenha produzido essa sensação de ar rarefeito, como se estivéssemos lendo o livro a 4 mil metros de altitude. Falta oxigênio. Pelo menos até descobrirmos que justamente essa atmosfera inóspita é a buscada pelo autor. Com Estorvo, Chico quer mimetizar o grau de sufoco de uma sociedade que perdeu seus objetivos não-contábeis. Por isso, é um dos romances emblemáticos de uma década sem utopias e a obra só se pode resolver em distopia. Um pesadelo funcional. Ruy Guerra intuiu perfeitamente essa idéia central que percorre o texto. E, dessa compreensão profunda, decorre todo o tratamento visual e sonoro do filme. A fotografia não é em preto-e-branco, mas tende ao monocromatismo. A música de Egberto Gismonti está presente para intensificar o estranhamento. A narração em off, os letreiros na tela, os tipos esquisitos - tudo contribui para dar forma a esse mau sonho contemporâneo. Mais do que adaptação, trata-se de uma recriação.

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