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'Era uma vez em Hollywood', de Tarantino, homenageia indústria e retrata momento de transição

Filme mostra muro intransponível entre a Hollywood do passado, representada pelo personagem Dalton, e a Hollywood do 'futuro', dos cineastas 'cool'

Por Mariane Morisawa
Atualização:

CANNES – O hype era intenso. Era uma Vez em...Hollywood, de Quentin Tarantino, entrou aos 45 do segundo tempo na competição do Festival de Cannes, 25 anos após o diretor ganhar a Palma de Ouro com Pulp Fiction – Tempo de Violência. Teve jornalista que enfrentou três horas de fila, teve comemoração quando a sala finalmente abriu para a sessão de imprensa. O filme é uma grande homenagem a uma Hollywood que não existe mais e ao cinema, especialmente ao western spaghetti.

Tarantino no Festival de Cannes de 2019 Foto: Alberto Pizolli/AFP

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Tarantino faz mais uma viagem ao passado, precisamente a 1969. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator de uma série de televisão de sucesso que se sente injustiçado. Queria estar fazendo mais e melhores filmes, quem sabe com seu novo vizinho, o polonês Roman Polanski, que colhe os frutos do sucesso O Bebê de Rosemary e é casado com a atriz Sharon Tate (Margot Robbie). Mas há praticamente um muro instransponível entre essas duas Hollywoods, a Hollywood do passado, representada por Dalton, e a nova Hollywood, dos cineastas cool e autorais como Polanski e, um pouco mais tarde, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e Woody Allen.

“Tarantino é um banco de dados do cinema, e aqui faz uma grande carta de amor a essa indústria a que temos sorte de pertencer”, disse DiCaprio na coletiva de imprensa. O melhor amigo de Rick Dalton é o dublê Cliff Booth (Brad Pitt), que tem uma relação mais relaxada com sua posição pouco privilegiada na indústria. “Tem tudo a ver com aceitação. Aceitação do seu lugar, sua vida, seu ambiente, seus desafios, seus problemas”, disse Brad Pitt. “Rick acha que sua vida é injusta, enquanto Cliff está em paz com quem é e onde está.”

Mas uma nuvem negra paira sobre essa Hollywood em transformação: o culto formado por Charles Manson, conhecido como Família Manson, que em 9 de agosto de 1969 assassinaria Sharon Tate, grávida de oito meses, e mais quatro pessoas. “Era a época do amor livre, da esperança, e os crimes representaram uma perda de inocência”, disse Pitt. “Foi uma visão sombria do lado obscuro da natureza humana.” O filme passa um bom tempo no grupo formado principalmente por dezenas de jovens mulheres. “É uma comunidade hippie, bizarra, mas, embora tenha um ar sinistro, mostramos seu dia-a- dia”, disse Tarantino. “Eles ganhavam dinheiro oferecendo cavalgadas guiadas e há relatos de que eram muito simpáticos.”

A inclusão da Família Manson, do assassinato de Sharon Tate e de Roman Polanski, que mais tarde foi condenado por estupro de uma menor e está proibido de viajar aos Estados Unidos, foi polêmica já no anúncio do projeto. Polanski não aparece muito, e Tarantino tentou encerrar o assunto rapidamente durante a coletiva. “Não falei com ele”, disse. Admitiu ser fã de seu trabalho, mas negou que Rick Dalton o descreva como o “maior cineasta”. “Ele diz ‘o cineasta do momento’”, ressaltou.

Sharon Tate tem poucas falas e aparece mais como uma musa. “Eu rejeito essa premissa”, disse o cineasta quando uma jornalista levantou a questão. Margot Robbie, porém, meio que admitiu que era o caso. “O meu papel é fazer o que o filme precisa de mim. No caso, honrar a memória de Sharon Tate e mostrá-la como um raio de luz. Foi um desafio interessante fazer isso com poucas palavras.”

Tarantino também se recusou a falar sobre a violência contra as mulheres, justificando-se: “Para isso teria de dar spoilers”. Brad Pitt veio em seu socorro, dizendo que há no filme “uma ira contra indivíduos”.

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Como em alguns de seus filmes recentes, especialmente Bastardos Inglórios e Django Livre, Tarantino subverte a história com “H” maiúsculo e usa o cinema para reescrevê-la. Mas na verdade Era uma Vez em... Hollywood é quase um “best of” de sua obra.

Segundo o diretor, não foi proposital. “Quando meu primeiro assistente de direção, William Paul Clark, foi à minha casa ler o roteiro, ele falou: ‘Caramba, é como se fossem todos os seus filmes reunidos’”, contou Tarantino. “Eu não tinha pensado sobre isso.” O cineasta admitiu estar passando por um processo de balanço de sua vida e carreira. Nada mais natural que seu nono filme fosse uma coletânea de sua trajetória até aqui.

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