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Épico naval de Russell Crowe estréia hoje

Indicado em dez categorias do Oscar, Mestre dos Mares - O Lado mais Distante do Mundo chega ao Brasil coberto de elogios e expectativa

Por Agencia Estado
Atualização:

Indicado para o Oscar em dez categorias, incluindo as principais de melhor filme e direção, Mestre dos Mares - O Lado mais Distante do Mundo estréia hoje nos cinemas brasileiros coberto de elogios e de expectativa. O australiano Peter Weir fez mais um filme de qualidade. Seu épico naval é poderoso, mas também desconcertante. É fácil apontar certas idéias e temas que o cineasta quis desenvolver a partir de personagens criados pelo escritor Patrick O´Brian numa série de 20 livros que descrevem o universo da Marinha britânica durante as guerras napoleônicas. O que inspirou o filme está sendo lançado pela Record, com o mesmo título - Mestre dos Mares. Mais complicado é entender e harmonizar as ambigüidades que permeiam o relato de pouco mais de duas horas. Como cinema, é eletrizante. Weir filmou durante seis meses e, por mais que tenha recorrido a tanques de estúdio e efeitos especiais, seu mar possui mais fúria do que aquele filmado pelo alemão Wolfgang Petersen, há coisa de três ou quatro anos. As tempestades que ameaçam tragar o H.M.S. Surprise não são apenas forças da natureza a abater-se sobre os personagens como pragas bíblicas. São a própria expressão dos conflitos que consomem essas figuras que o diretor quis desenhar como maiores que a vida. Os 20 livros de O´Brian, que alguns críticos definem como Marcel Proust da literatura marítima, centram-se nas relações (e conflitos) entre o capitão Jack Aubrey, que a tripulação chama de Jack Sortudo, e o dublê de naturalista e médico de bordo Stephen Maturin. Ambos são interpretados por Russell Crowe e Paul Bettany, que, só para lembrar, já atuaram juntos em Uma Mente Brilhante, em que Bettany fazia o amigo imaginário do cientista criado por Crowe. Os atores, muito especialmente - ou o ator. Algo está se passando nas indicações para o Oscar deste ano. Pela alta voltagem de sua interpretação - e o carisma como astro, valor seguro de bilheteria -, era quase certo que Crowe seria indicado mais uma vez para o prêmio que já ganhou por Gladiador, como consolo por ter perdido quando mais merecia, por sua antológica criação em O Informante, de Michael Mann. Crowe é magnífico no papel de Jack Sortudo. Tem vigor físico nas cenas de ação e expressa com economia as densidades e sutilezas de seu personagem. Que personagem é esse? Jack Sortudo e seu amigo/oponente Stephen Maturin expressam diferentes concepções num mundo em acelerado processo de mudança. Numa cena de refeição, no começo - esse tipo de cena é sempre uma espécie de teatro no qual se manifesta o comportamento humano, como não se cansa de nos dizer o cineasta francês Claude Chabrol -, Jack Sortudo fala de sua emoção por haver-se sentado duas vezes à mesa com o lendário almirante inglês Lord Nelson, herói das guerras napoleônicas. E ele não contesta quando um imediato diz que Nelson talvez nem tenha sido um grande navegador, mas era, com certeza, um grande líder de homens. Nesse sentido, Jack Sortudo é maior que ele, pois une ao conhecimento dos mares a qualidade rara de líder nato. É o master and comander, o mestre e comandante, do título original. E Jack é obsessivo. Caça um navio maior, mais ágil e com maior potência de fogo, o francês Acheron. Maturin muitas vezes contesta suas decisões e nesses momentos Jack Sortudo esquece o amigo para exercer a força de sua autoridade. Jack, num certo sentido, representa o velho e experiente lobo do mar. O Acheron, que ele persegue como a uma quimera, representa o futuro que ameaça atropelá-lo. E Maturin, com seu comportamento de cientista, mais do que de estrategista de guerra, também é parte desse futuro, daí os conflitos que volta e meia se estabelecem entre os dois. Weir usou essas personalidades fortes para armar um drama de rara intensidade. E, como o filme também tem humor - o trocadilho sobre "dos moles o menor", o que você só vai entender ao assisti-lo -, o resultado é outra impecável lição de cinema narrativo. Essas qualidades cênicas não isentam o filme daquilo que tem de discutível, justamente as idéias. Weir tem uma habilidade especial para tornar grandes temas difíceis - Deus e a religião, em filmes como O Show de Truman, o Show da Vida e Sem Medo de Viver - em assuntos palatáveis para o público médio e os executivos dos estúdios. E esse tema da autoridade exercida com sabedoria, mas nos limites da truculência, torna-se ambíguo na era da aliança entre o presidente George W. Bush e o primeiro-ministro Tony Blair. A perspectiva do filme é inglesa, contra os franceses, que representam o poder ditatorial. Como os filmes, mesmo quando se passam no passado, têm aplicação no presente, muita coisa do que o cineasta diz é sujeita a controvérsia. É com esses olhos que Mestre dos Mares tem de ser visto, mesmo que isso venha a conter o entusiasmo que pode provocar.

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