Emília Silveira volta a escavar a memória para documentar a época da ditadura no filme 'Galeria F'

Pode-se dizer que, de certa forma, Emília faz cinema como Alain Resnais e Marguerite Duras, no clássico Hiroshima Meu Amor, contra o esquecimento

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Desde seu longa anterior, Setenta, ao escavar na memória da ditadura cívico-militar, a diretora Emília Silveira vem deixando claro que seu objetivo, como documentarista, não é fazer cinema histórico, mas compor mosaicos de lembranças pessoais sobre um período ainda controverso da história do País. Logo de cara, na abertura de seu novo filme, Galeria F, o personagem retratado – Theodomiro Romeiro dos Santos, último homem condenado à morte no Brasil –, manuseia um álbum de fotografias. Está em casa, em família. Uma filha observa que nunca viu papai com aquele visual e ele explica que foi um disfarce que adotou ao fugir da prisão. Em outro momento, na travessia de um rio, alguém pergunta ao barqueiro o que sabe sobre a época da ditadura. Nada. Nem na escola? Nada.

Cena do filme 'Galeria F' Foto: 70 Filmes

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Pode-se dizer que, de certa forma, Emília faz cinema como Alain Resnais e Marguerite Duras, no clássico Hiroshima Meu Amor – em cartaz em apenas um horário em São Paulo, e o filme dela também está num circuito e horários reduzidos –, contra o esquecimento. De que outra maneira explicar que, em meio aos tantos protestos que ocorrem no Brasil, se ouçam vozes pedindo o retorno dos militares? “Ah, que eu fui jovem um dia”, exalta-se Emmanuèlle Riva em Hiroshima. O homem que agora faz um recorrido sobre seu passado com o filho, que reencontra amigos – homens maduros (velhos?) como ele –, também foi jovem.

Um amigo lembra a expectativa de vida dos garotos que entravam na guerrilha (e na clandestinidade). Dois anos. Ele, com 17 anos, sobreviveu aos 19 para contar a história. Na prisão, os presos tinham duas horas de sol, duas vezes por semana. Cheios de energia, usavam metade desse tempo para discussões teóricas. Hoje, tudo isso é motivo de riso. Theodomiro, Theo, era um daqueles jovens que sonhavam mudar o mundo. Foi preso e conta como matou um agente da repressão, o que o transformou numa figura mais perigosa do que talvez fosse. Conta como e por que fugiu – um comentário do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, meio que selando sua sorte. Ele refaz sua odisseia, o filho vai junto. O filme é sobre família. O filho reclama da dureza do pai, o pai (inconscientemente?) cantarola ‘Luiz, respeita Januário.’ E Theo conta uma história da infância – sobre um carneiro, sacrificado por seu pai. É nesses momentos que Galeria F cresce, e fica belo.

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