Em 'Pig', com Nicolas Cage, quanto vale um porco caçador de trufas?

No mundo da caça às trufas os vínculos entre humano e animal podem não ter preço, mas em termos econômicos são reais

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Por Victoria Petersen
Atualização:

No filme Pig, Nicolas Cage interpreta um importante chefe de cozinha de Portland chamado Robin Feld que deixa o mundo dos restaurantes de luxo em Portland para viver nas florestas do Oregon, onde parte em busca de trufas com seu amado porco. O chefe solitário é obrigado a retornar à cidade depois de 15 anos para procurar seu porco, que foi roubado numa noite.

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“Outro porco não consegue fazer o que ele faz”, diz um angustiado Feld num determinado momento do filme, à medida que penetra no submundo do crime em busca do seu animal.

Pig, que foi lançado na sexta-feira nos Estados Unidos, marca a estreia de Michael Sarnoski como roteirista e diretor, segundo o qual a trama do filme foi inspirada em histórias que ele ouviu de caçadores de trufas que acampavam com escopetas na frente das suas casas à noite para afugentar competidores.

"Não tenho certeza de onde veio a idéia de um caçador de trufas pela primeira vez, mas adorei a imagem de um homem velho e um porco na floresta juntos", disse Sarnoski.

Nicolas Cage em 'Pig': a jornada de Robin Feld para encontrar seu porco desenterra um lado negro da indústria de trufas, cheio de rivalidade e sabotagem. Foto: Neon

A jornada de Robin Feld para encontrar seu porco desenterra um lado negro da indústria de trufas, cheio de rivalidade e sabotagem. A certa altura, um preço de 25 mil dólares é colocado sobre a vida de seu animal.

Já no Império Romano, as fêmeas de porco eram usadas para seu nariz aguçado para trufas, cujo cheiro é semelhante ao das feromônios de acasalamento dos porcos machos. O problema é que os porcos querem comer as trufas depois de encontrá-las. E eles também podem danificar as frágeis estruturas fúngicas do solo, atrofiando as futuras culturas de trufas. Em 1985, a Itália proibiu o uso de porcos por este motivo.

“Muitos caçadores de trufas em todo o mundo usam cães treinados”, disse Charles Lefevre, micologista florestal e fundador do Oregon Truffle Festival e da New World Truffiers, companhia que vende sementes inoculadas para produtores de trufas.“Quase ninguém mais usa porcos”.

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Ele disse que conhecia um porco trufeiro trabalhador na América do Norte, na Ilha de Vancouver, no Canadá.

Mas seja usando cães ou porcos, a caça de trufas comporta riscos. No norte da Itália e sudeste da França, onde se encontram as trufas mais caras, o preço chega a 10 mil dólares a libra (ou meio quilo). A caça ilegal, roubos, evasão fiscal, fraude e envenenamentos corromperam esse setor raro e de luxo.

Um cão italiano, o Lagotto Romagnolo, uma raça muito prezada pela sua habilidade na detecção de trufas, pode custar até 10 mil dólares e o roubo desses cães é comum. Infelizmente o envenenamento desses animais também é. Os concorrentes injetam estricnina, uma toxina sem cor nem cheiro, na carne oferecida para o animal.

“Estamos falando de mais de 100 cães numa única temporada que são envenenados”, disse Ryan Jacobs, autor do livro The truffle Underground, uma investigação de crimes reais no mundo das trufas.

“Aqueles que têm os melhores cães caçadores, os mais hábeis, com frequência perdem seus animais para outros concorrentes ou pessoas que roubam o cão para ficarem com eles”.

Como no caso de Robin, personagem interpretado por Nicolas Cage, e seu porco roubado, é um choque para Jacobs quando um cão é roubado. “Acho que na maior parte dos casos, os cães caçadores de trufas se tornam membros da família”, disse Lefevre.

“As pessoas são muito orgulhosas dos seus cães caçadores. É surpreendente o fato de eles descobrirem esses tesouros ocultos embaixo da terra. Creio que é uma experiência quase universal no caso dos adestradores desses cães, esse enorme orgulho dos seus animais”, disse Lefevre, que também caça trufas com seus dois cães da raça Lagotto Romagnolo, Mocha e Dante.

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Sanoski disse ter se perguntado se deveria rodar o filme no agitado mundo europeu da trufa, mas acabou se decidindo por Portland por causa da robusta indústria de trufas do Oregon e “o ambiente muito animado de restaurantes na cidade”.

Antes de escrever o roteiro de Pig, Sanoski nunca tinha estado em Portland e havia degustado trufas uma única vez. Para sentir o ambiente do Oregon, a equipe de filmagem participou de uma caça de trufas e jantou em muitos restaurantes locais.

Gabriel Hucker, chefe do Le Pigeon, e Chris Czarnecki, que comanda a cozinha do Joel Palmer House, em Dayton, Oregon, foram os consultores do filme. Quando escolheu as receitas para o filme, como o prato final de pombo, com cogumelos chanterelle e mirtilo, Rucker, quis dar uma sensação do lugar.

“O que apresentei foi algo um pouco mais simples, menos moderno do que os pratos modernos oferecidos hoje nos restaurantes mais refinados, mas algo com a alma do Oregon”, afirmou.

Sarnoski acrescentou, “sempre pensamos em mostrar pratos reais de chefes de cozinha reais de Portland porque isso confere autenticidade e uma espécie de base para o filme.

O Oregon abriga centenas de espécies de trufas, com quatro variedades comestíveis. Os negócios com trufas cresceram enormemente nos últimos anos, com as trufas negras da região avaliadas em mais de 1.400 dólares o quilo.

Embora muitas das coisas repugnantes retratadas no filme sejam do tipo encontrado no ambiente europeu das trufas, a caça furtiva se tornou também um problema no Oregon.

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Por causa do seu valor crescente, as trufas do Oregon estão hoje mais suscetíveis a roubos. E os que caçam ilegalmente usam grandes ancinhos para perfurar e revolver tudo o que está sob a terra, desenterrando raízes delicadas junto com as trufas, as prontas para serem usadas e as ainda incipientes. As trufas de baixa qualidade têm contribuído para a queda do preço e os métodos usados para obtê-las deixam o terreno desfigurado e exposto.

Mas segundo Lefebvre, não tenho conhecimento de alguém ter envenenado ou roubado um cão caçador de trufas. Não acho que algo desse tipo já ocorreu algum dia”.

Tradução de Terezinha Martino

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