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Em 'História da Minha Morte', o catalão Albert Serra explora afinidades entre sedutores

Longa estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 11

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Foi há dez anos. Em 2006, o repórter integrava o júri da Caméra d’Or, em Cannes, sob a presidência de Jean-Pierre e Luc Dardenne. O catalão Albert Serra concorria ao prêmio da opera prima com sua reinterpretação do mito de Dom Quixote, Honor de Cavalleria (Honra dos Cavaleiros). Não houve jeito de convencer os irmãos belgas da importância do filme. Descartaram-no rapidamente, como esteticista e vazio, e como se o Quixote, sobre o qual trabalhava o autor, não fosse o clássico que é. Honor de Cavalleria! Albert Serra seguiu fazendo seus filmes especiais. O antibíblico El Cant dels Ocells, Història de Meva Mort, com o qual ganhou, há três anos, o Leopardo de Ouro em Locarno. Com o título de História de Minha Morte, o filme deve estrear nesta quinta, 11.

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Há um culto a Albert Serra. Em Tiradentes, na Mostra Aurora, já se teria tornado guru. Quando você faz pesquisas correlatas, aparecem sempre os nomes de Alexander Sokurov, Hou Hsiao-Hsien, Michael Haneke, Pedro Costa, Apichatpong Weerasethakul. São diversos entre si, mas fazem um cinema autoral e exigente, de pesquisa. Sempre o mito na obra de Serra. O Quixote, José e Maria (O Canto dos Pássaros) e, agora, o improvável encontro de Casanova com o Conde Drácula em História de Minha Morte, Meva Mort em catalão. A sonoridade é sempre visceral na obra de Serra. Não apenas a musicalidade rascante da língua, mas o som, como se lembram os espectadores do seu Quixote e da sua fuga dos pais do Nazareno, pontuada pelo canto dos pássaros. O som joga de novo um papel decisivo em Minha Morte.

Casanova é nomeado apenas uma vez, Drácula, nunca. Mas são eles. Casanova já foi personagem de grandes e polêmicos filmes de Luigi Comencini, Federico Fellini e Ettore Scola. Eram interpretados por Leonard Whiting, Donald Sutherland e Marcello Mastroianni. O Casanova de Serra é criado por Vicenç Altaió, poeta e produtor cultural da Catalunha. Drácula é Eliseu Huertas, um regular dos filmes do diretor, mas que permanece não profissional. Casanova, você sabe, foi o sedutor veneziano que transformou seu apetite por sexo num livro póstumo de memórias. O filme tem quase duas horas e meia. Serra segue Casanova por uns bons 45 minutos pela Suíça e depois o leva aos Cárpatos, para o encontro com Drácula. Lá pelos 80 minutos, sentam-se de costas para a câmera. E falam.

Os 70 minutos restantes são feitos dessas conversas em catalão. Discutem questões filosóficas e, embora opostos, encontram um interesse comum no sexo. São herdeiros da tradição libertina. Esqueça a moderna conotação pejorativa que carrega o termo ‘libertinagem’. São libertinos como os literatos e pensadores europeus que se abstraíram dos princípios morais de seu tempo, principalmente os ligados à moral sexual. Aparentemente, um é gélido, o outro vulcânico. Um contempla desejoso o pescoço de suas vítimas. O outro deseja o intercurso. O que está em pauta é o desejo e a mentalidade do século 19, em que se passa a “história”. É bom colocá-la entre aspas porque Serra possui a própria agenda e não se interessa muito pela narrativa como ‘trama’. É um filme feito de rupturas, entreatos. Eventualmente, torna-se sangrento e violento.

Em História de Minha Morte, Casanova evoca uma distante memória de infância, quando foi trancado por uma bruxa para tratar de uma doença. Ele evoca suas alucinações, como a mulher que desce pela chaminé. Serra introduz o conde vampiro nessas memórias, transforma-as numa história de morte. Drácula atrai jovens mulheres ao seu castelo, atrás delas vai Casanova. Diferentes, mas iguais.

A diferença na igualdade, a semelhança na diversidade. O curioso é que Meva Mort é contemporâneo de outra interpretação do mito do vampiros, o romântico e mórbido Amantes Eternos, de Jim Jarmusch. Como cinema, Meva Mort propõe um extraordinário exercício de interpretação de dois não atores. Boa parte do filme é ocupada pelas reflexões de Casanova enquanto olha as filhas do fazendeiro em cuja casa se hospeda.

Na segunda parte, esse olhar, esse movimento interiorizado transfere-se para Drácula. E, quando se diz que ambos falam, ambos também calam, e o silêncio, como sempre, é de ouro. É um filme lento, belo. Através de sua produtora Andergraun Films, Albert Serra, o novo underground, filma (grava?) em digital, mas não é só, ou não é pelo custo. A mídia interessa-lhe pelo tempo, pela granulação da imagem. E pela eficiência nos climas que quer criar.  

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