Eleanor Coppola evoca magia francesa em 'Paris Pode Esperar'

Apesar de seus clichês, a comédia romântica é um filme dos mais agradáveis de se ver

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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Cinema se faz em família: Francis Ford é um mestre, Sofia tem prêmio garantido em qualquer festival de primeira linha e agora é mamãe Coppola quem apresenta seu filme. Paris Pode Esperar, comédia romântica de Eleanor Coppola, pode não trazer grande novidade ou qualquer ousadia de linguagem cinematográfica. Mas a verdade é que a mulher de Francis Ford e mãe de Sofia assina um filme agradável e gostoso - no sentido literal como no figurado do termo. A história começa no final de mais um Festival de Cannes, o mais badalado do mundo. Michael (Alec Baldwin) é um produtor superocupado, sem muito tempo a dedicar à esposa, Anne (Diane Lane), que o acompanha. Na viagem de volta, planejada para ser num jatinho particular, Anne não pode acompanhar o marido, pois está com problema no ouvido e é desaconselhada de pegar avião. Quem se oferece para levá-la de carro a Paris é o sócio de Michael, o francês Jacques Clément (Arnaud Viard). 

Uma longa e agradável viagem da Riviera Francesa a Paris, ao todo umas sete horas de percurso, pelas boas estradas do país. Quer algo mais agradável? Pois bem, Anne deseja chegar à capital o mais rápido possível, mas Jacques interrompe o trajeto a todo instante, a pretexto de mostrar à mulher um museu, uma pequena igreja encantadora, um restaurante fabuloso mas que ninguém conhece, etc. Preciosidades da França espalhadas pelo caminho.

Atores bem afinados. Diane Lane e Arnaud Viard no road movie amoroso, que tem como cenário o interior da França Foto: Califórnia Filmes

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Enfim, a americana tem pressa e o francês quer saborear a vida. Quer maior clichê que este? Pois acrescente os seguintes: Anne é estressada e Jacques é sedutor, gourmet e pilota um velho carro charmoso, sem GPS, e que jamais parou numa oficina para revisão desde que foi fabricado lá pelos anos 1960. 

Pois bem, enfrentando toda essa artilharia de lugares-comuns, Eleanor consegue se defender bem, com alguns expedientes simples e eficazes. O primeiro deles é o cenário escolhido, o interior da França que, para quem conhece, é um paraíso na Terra. Longe da loucura metropolitana, desfila uma fieira de pequenas e discretas cidades, calmas e bonitas, nas quais se come muito bem. Há sempre um museu a ser visitado, uma paisagem inesperada, delícias locais e o bom vinho regional, para não falar dos queijos. A gastronomia une-se à fruição visual e ao insuperável prazer de uma conversa a dois, entre um homem e uma mulher que se descobrem aos poucos. A outra boa sacada de Eleanor é apostar na intimidade que se vai estabelecendo aos poucos entre os dois e aponta talvez para um início de relacionamento. Mas ela sabe que, nesses casos, a ambiguidade pode ser mais interessante que desfechos explícitos. Nada é direto, porque, se Jacques é um homme à femmes nato, também tem grande consideração por seu sócio e amigo, Michael. Anne, embora se sinta negligenciada por um marido workaholic, o ama e deseja sim que a vida seja diferente, mas em sua companhia. Essa atmosfera de sedução e a ambivalência da atração mútua paira sobre a história e confere uma suave eletricidade a esse flerte maduro. 

Também de boa ajuda é o charme discreto dos dois intérpretes principais. Diane Lane e Arnaud Viard mantêm a química do relacionamento e, discretos porém eficazes, conseguem extrair dignidade do subsolo de lugares-comuns do texto que interpretam. Fazem isso através de pequenos gestos, olhares, insinuações. Enfim, da técnica de interpretação que lhes permite “dizer” muito mais do que está escrito. 

De outro lado, Paris Pode Esperar é também um filme imagético, que explora bem a paisagem mas também os ambientes fechados dos pequenos restaurantes, dos hotéis de estrada, de um ou outro museu visto por dentro. Tudo isso, arranjado com elegância, contribui para o prazer do espectador. 

De qualquer forma, Paris Pode Esperar é um daqueles filmes em que os norte-americanos se comparam com outros povos e realizam uma suave autocrítica do seu modo de vida. Nada radical, nada definitivo, tudo dentro dos limites da decência e do bom gosto. Ficamos assim: todos os povos têm seus altos e baixos e os americanos, com seu excesso de dedicação ao trabalho, a filosofia de vida como competição permanente e a devoção absoluta ao sucesso pagam preço alto. Os europeus são vistos de outro modo. Os ingleses são admirados pelo sotaque e por Shakespeare. Os italianos por serem ótimos amantes e por sua devoção ao dolce far niente. Os franceses, pelo dom da sedução, pela Torre Eiffel e pela gastronomia. 

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Não deixa de haver alguma verdade embutida nesses padrões simplificados e o que Paris Pode Esperar ensina é algo da ordem da autoajuda e da sabedoria popular: precisamos viver com mais calma, afeto e prazer. Apesar de óbvia, é uma lição cada vez menos praticada. Mas quem discordaria da sua verdade?