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Durst desvenda fotografia de Estorvo

Por Agencia Estado
Atualização:

Nada mais difícil do que conseguir falar com Marcelo Durst nesses últimos dias. Ele está sempre em alto-mar, filmando em Angra. Dá o mínimo de informações porque a equipe do novo filme teme ser perturbada por turistas. Mas diz que está achando o máximo o desafio de filmar na água, em condições que estão sempre mudando. Durst, de 37 anos, adora os desafios. Prova disso é a excepcional fotografia do filme Estorvo, de Ruy Guerra, em cartaz na cidade. Durst assina as imagens impressionantes do filme que Guerra adaptou do romance de Chico Buarque. Talvez seja o melhor trabalho de fotografia dos últimos tempos, incluindo toda a produção de Hollywood, com sua parafernália de recursos (e efeitos). Na entrevista que deu ao jornal O Estado de S. Paulo, na estréia do filme, Guerra colocou os pingos nos Is. Incomodava o veterano diretor (de 62 anos) o fato de muita gente dizer que Durst injetou sangue novo no seu cinema. O próprio Durst deixa claro que sempre houve um homem no comando em Estorvo e era Guerra. O conceito do filme foi estabelecido pelo diretor, mas, como ele conta, "se o Ruy me contratou foi porque queria minhas idéias e também soluções para os problemas técnicos e artísticos que o seu conceito criava." Era um sonho de consumo de Durst, se é que se pode definir assim. Ruy Guerra estava na lista de diretores com quem ele queria trabalhar. Sentiu-se no céu quando foi chamado para fazer Estorvo. Da Terra à Lua - Formado pela ECA, a Escola de Comunicações e Artes da USP, Durst começou fotografando curtas, ainda na faculdade. O primeiro longa, "Não Quero Falar Sobre Isso agora", foi atropelado pela política de terra devastada do ex-presidente Collor para a Cultura. Sem trabalho no Brasil, Durst foi fotografar nos Estados Unidos. Integrou a equipe que fez o épico Da Terra à Lua, de Tom Hanks, para a televisão. Tinha até green card quando Beto Brant o chamou para fotografar Os Matadores. Estabeleceram o conceito para as imagens do policial desenrolado na fronteira paraguaia. As cores são muito nítidas naquela região - o vermelho da terra, o azul do céu, o verde da mata. O filme trata basicamente de três personagens, desenvolve uma narrativa quebrada, com flash-backs que se cruzam e terminam por se explicar no final. Brant queria diferenciar os blocos narrativos, centrado em cada um dos matadores. Criaram, Durst e ele, o conceito visual do filme - muito colorido para o personagem de Murilo Benício, pouca cor, quase ausência, para o matador veterano (Wolney de Assis) e cores quentes para o personagem de Chico Dias. O filme deu certo não só pela fotografia, mas também por ela. Guerra viu e gostou. Achou que Durst era o ideal para o tipo de ousadia a que ele se propunha em Estorvo. Conversaram, acertaram-se e Durst fez a fotografia do filme. Preto-e-branco - Ele acha que não seria o fotógrafo que é sem as experiências anteriores, algumas muito boas e criativas, que teve ao longo de sua ainda jovem carreira. Mas admite que trabalhar com Guerra foi especial. "Ele instiga a gente a ir ao máximo da criatividade, não quer soluções convencionais, força-nos ao extremo." Durst conta que fez sua lição de casa antes de começar o trabalho - leu o livro do Chico, viu todos os filmes de Guerra. O diretor explicou-lhe o que queria - um filme escuro, preto-e-branco em cores. "Escuro? Isso não me diz muita coisa", explica Durst. É muito contraste, muito preto? Estabeleceram alguns princípios - filmaram sempre contra a luz e trataram de escurecer a imagem pelo ato de iluminar pouco. Isso foi um dado da equação. Guerra não queria uma câmera descritiva - seu filme é antinaturalista e não só no estilo de representação dos atores. Guerra queria a imagem como produto da mente do protagonista, esse homem acuado e paranóico, a partir do toque de campainha que o acorda para ver uma imagem meio deformada no olho mágico. "Ruy queria a impressão, não a realidade", diz Durst. O resultado foi que Durst terminou dirigindo a câmera como um ator. "Era maravilhoso ver a interação da câmera com os atores, com o Jorge (Perugorría, que faz o personagem principal); interagiam como num balé." Ele destaca que a proposta, em si mesmo pouco (ou anti)convencional, só deu certo por conta da afinação entre o diretor, o foquista ele. "Sem o cara que fez o foco comigo não conseguiria nunca criar esse clima", resume. Ele se chama Daniel Duran e Durst não tem outro adjetivo para defini-lo. Diz que é ´maravilhoso´. Distorção - Para criar a imagem produzida por uma mente perturbada, Durst recorreu muitas vezes a filtros de acrílico que ´entortavam´ a imagem, deixando parte do plano no foco e parte distorcida. Para acentuar o efeito do olho mágico que desencadeia o processo paranóico que está no centro da narrativa não usou uma grande-angular normal para ter o efeito que se chama de ´olho de peixe´. Fez algo mais audacioso. Inverteu a lente ashceron, que é colocada na frente da câmera para se ter o tal efeito. Parece complicado, e é, mas Durst admite que boa parte do prazer que teve fazendo o filme veio das dificuldades que era preciso enfrentar (e superar). "Nunca tivemos muito dinheiro", diz. "O que economizávamos de um lado, uma grua suprimida, por exemplo, podia ser canalizado para outro lado." Até por sua formação no Cinema Novo, do qual foi um dos principais representantes, Guerra queria retomar experiências de linguagem dos anos 60. Convencido de que, no Estorvo de Chico, o romance é o texto e o texto é o personagem, Guerra incentivou seu fotógrafo a buscar o equivalente do texto no que é próprio do cinema - a linguagem visual, à qual superpôs pesquisas sonoras, já que o cinema, afinal de contas, é imagem e som. Durst acha que foi complicado, cheio de problemas, às vezes de tensão, mas não tem outra palavra para definir o prazer de fotografar Estorvo - "Uma delícia.

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