Duas visões impiedosas da Europa

O italiano Marco Bellocchio e o inglês Mike Leigh levam à competição do festival de Cannes retratos amargos da religião e do cotidiano da classe operária

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Por Agencia Estado
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Um filme italiano que reivindica o direito ao ateísmo e um inglês que examina as dores e dramas da classe operária foram os dois concorrentes exibidos nesta sexta-feira com o documentário americano Bowling for Columbine, de Michael Moore, na mostra competitiva do 55.º Fesstival de Cannes. Com L´Ora di Religione, o diretor italiano Marco Bellocchio volta aos ácidos libelos de seus anos de ouro (a época de I Pugni in Tasca e In Nome del Padre), desta vez encarando de frente a invasão operada pela religião na vida privada. O mesmo faz o inglês Mike Leigh. Depois de sua imersão na alta classe vitoriana em Topsy Turvy, ele reencontra a miséria e a falta de horizontes do operariado em All or Nothing. A Hora da Religião tem como subtítulo O Sorriso de Minha Mãe e é esse sorriso ambíguo o que para alguns sublinha a santidade da mulher assassinada por um de seus quatro filhos. Para o protagonista (Sergio Castellitto), trata-se apenas de um indicador da estupidez e indiferença de sua mãe, candidata a um processo de canonização. Bellocchio, que nos últimos anos vinha passando por um período "literário" (com adaptações de Kleist e Pirandello), volta a abordar a realidade de seu país, hoje mais sensível ao fundamentalilsmo religioso do que aos princípios de liberdade inscritos em sua Constituição. Mike Leigh tem 59 anos, vem do teatro, onde foi diretor e cenógrafo, e da televisão. O amor que sente por seus personagens o impede de submergi-los na tragédia mais sombria a que parecem destinados desde o início. Tudo ou Nada não é exceção. Num pobre e decadente predinho de apartamentos num subúrbio de Londres vivem três famílias, todas com problemas para chegar ao fim do mês, conseguir respeito dos filhos e poder, uma noite, relaxar num pub. O bom humor é a única coisa que salva Maureen (uma excelente Ruth Sheen), mas os outros personagens estão por demais afundados em suas frustrações. Talvez o que prejudique o filme seja tratar o desespero de seus personagens como se fosse um lugar-comum, o que se acentua com a eterna expressão de amargura dos atores, que parece fixada em seus rostos por meio de cirurgia plástica.

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