PUBLICIDADE

Duas vezes a 2ª Guerra nas telas

Charlotte Gray aborda a resistência francesa e A Guerra de Hart mostra a fuga de um campo de concentração; em ambos, a história é melhor do que a realização

Por Agencia Estado
Atualização:

São dois filmes ambientados na 2ª Grande Guerra. Em ambos, a história é melhor do que a direção, mas não é perda de tempo ver um e outro. Charlotte Gray beneficia-se enormemente da participação de Cate Blanchett. É, em definitivo, uma das melhores atrizes do cinema atual. Consegue estabelecer uma tal intimidade com a câmera que pode "underplay", como dizem os norte-americanos. Cate não grita, não berra, não arfa, nada daquilo que faz as grandes interpretações que a Academia de Hollywood gosta de premiar. Ela representa num registro minimalista no filme de Gillian Armstrong, a diretora de Adoráveis Mulheres. Quando o filme começa, a Europa está em guerra e ela conhece um piloto, numa festa. Paixão fulminante. Ele parte numa missão na França. Seu avião é abatido. Ela aceita uma missão perigosa para tentar chegar perto dele. A australiana Gillian traça um retrato interessante de uma pequena cidade francesa ocupada pelos nazistas. Deve ter visto O Corvo, de Henri Georges Clouzot, com sua visão sombria do colaboracionismo. Cate, que se faz passar por uma certa Dominique, logo descobre duas ou três coisas sobre a canalhice dos que se valem do tacão dos ocupantes para atingir seus objetivos mesquinhos. Sofre um golpe: descobre que seu amado morreu. E aí começa seu lento envolvimento com o jovem francês que é um de seus contatos. É uma linda história de amor, que a diretora desenvolve com beleza acadêmica e decorativa, mas a análise dos sentimentos, valorizada pela arte da atriz, rende momentos magníficos. E, embutida na história, está a questão do heroísmo. Em Londres, antes de lançar-se à missão, Charlotte, na cama com o piloto, indaga dele como é ser um herói. Ele desconversa, diz que é um sobrevivente e revela seu sofrimento por haver sobrevivido à morte dos companheiros. Esses conflitos vão ressurgir mais tarde, em "Charlotte", agora Dominique, e no rapaz francês. Eles se integram à Resistência, tentam salvar dois meninos judeus. Em desespero, o rapaz entrega o próprio pai. É tudo muito triste, mas essa história de perdas não termina sem um desfecho capaz de agradar aos românticos. É um happy end um pouco ambivalente, porque não exclui a vivência de quem muito sofreu para chegar à calmaria desse porto seguro, após a longa tempestade da guerra. A carta que Charlotte/Dominique escreve aos meninos é um detalhe tipicamente feminino. Expõe a sensibilidade da diretora. A Guerra de Hart, de Gregory Hoblit, funde duas vertentes do cinema norte-americano: o filme de julgamento ou tribunal e o de fuga de campo de prisioneiros. Um jovem amargurado por sua fraca resistência face ao interrogatório dos nazistas é enviado para um campo. Nele irrompem dois pilotos negros, que conhecem o racismo dos colegas. O caso evolui para um assassinato e um julgamento. Na verdade, o processo é só uma fachada para encobrir uma tentativa de fuga. A trama trata de responsabilidade, dignidade, heroísmo. Com Bruce "Duro de Matar" Willis no papel do militar graduado, o espectador pode estar certo de onde virá a lição de dignidade. É um problema do cinemão. Hollywood só sabe trabalhar com arquétipos. Não se trata de Bruce Willis, mas da persona que ele encarna. O diretor mexe demais a câmera, há muita música. Um pouco de silêncio e uma câmera parada para realçar a força das palavras seriam bem-vindos. A história é boa. Lembra um pouco a de O Exército Inútil, de Robert Altman. Em melhores mãos, poderia ser de arrepiar. Serviço - Charlotte Gray _ Uma Paixão sem Fronteiras. Drama. Dir. Gillian Armstrong. Ing-Ale-Aus/2001. Dur. 121 min. Com Billy Crudup. 14 anos. A Guerra de Hart. Drama. Dir. Gregory Hoblit. EUA/2002. Dur. 125 min. Com Bruce Willis, Colin Farrell, Terrence Howard.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.