Domingos de Oliveira filma peça sobre separações

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Por Agencia Estado
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Por mais lisonjeira que seja a comparação, Domingos de Oliveira acha graça quando o comparam a Woody Allen. Ele seria o Woody Allen do Leblon. Domingos respeita alguém que, como Allen, escreve bem e faz observações pertinentes sobre o seu tempo, mas ultimamente anda preocupado com a evolução da carreira do ator e diretor americano. Não gostou nem um pouco de Celebridades e agora teme pelo futuro de Allen, mas não é por isso que Domingos não acha muito procedente a aproximação entre os dois. Ele sabe que tem um modelo. É o diretor francês François Truffaut, o homem que amava as mulheres, o romântico que desconfiava do romantismo. Desde Todas as Mulheres do Mundo, o clássico dos anos 60 em que lançou o mito de Leila Diniz, Domingos é o Truffaut brasileiro. Continuou sendo no recente Amores. Pretende sê-lo, mais uma vez, no novo filme em rodagem, Separações. Amores e Separações não deixam de formar um díptico. Ambos nasceram no palco, com a vocação de virarem filmes. A propósito da polêmica teatro X cinema, Domingos diz que para ele não há polêmica nenhuma e sua ficção teatral tem sempre um quê de cinematográfica. Nisso não deixa de aparentar-se a dois autores menos coloquiais, menos ligados ao cotidiano, mas que também sempre acharam que cinema e teatro se misturavam em tudo que faziam - o sueco Ingmar Bergman e o italiano Luchino Visconti. Bergman, por sinal, é uma das paixões de Woody Allen, que mais de uma vez prestou tributo ao gênio sueco, mas essa é outra história. O importante é que Amores nasceu como peça e ficou mais de um ano em cartaz, antes de virar filme. O mesmo ocorreu com Separações. A peça escrita, dirigida e interpretada por ele fez carreira no Teatro Planetário, no bairro da Gávea, no Rio. Também está virando filme, com a mesma proposta de produção. Domingos defende o baixo orçamento. Não faz disso uma bandeira do tipo "é a salvação para o cinema brasileiro", mas é o tipo do cinema que lhe interessa. Autobiografia - Em Amores, que também escreveu (com Priscilla Rozembaum) e dirigiu, o personagem já era ele. Continua sendo. O protagonista de Separações é um diretor de teatro boêmio, cujas dificuldades, em parte, Domingos assume como suas. Mas esse trabalho também exigiu maior dose de imaginação do ator-diretor-autor porque, mesmo enfrentando todo tipo de problemas, Priscilla e ele, companheiros de arte e vida, nunca se separaram. E ele já se separou outras vezes. Foi para purgar-se da separação de Leila Diniz que fez Todas as Mulheres do Mundo, lançado em vídeo, no ano passado, pela Versátil. O assunto nunca deixou de interessá-lo. Como dizia Vinícius de Morais, o amor é eterno enquanto dura e, portanto, a separação é o outro lado, mesmo doloroso, do amor. Como ignorá-lo? Ao interesse de Domingos pelo tema superpôs-se a influência de um livro que leu, sobre pacientes terminais. A partir de centenas de entrevistas, os médicos descobriram que todos passam pelas mesmas fases, desde a descoberta da doença até a morte - negação, negociação, revolta e aceitação. Comparando a relação a dois à situação do paciente terminal, ele escreveu sua peça sobre separações numa estrutura em quatro atos cada um correspondendo a um desses movimentos. Como Amores, é uma tragicomédia ou um comentário doce-amargo sobre as relações humanas. O público ri e chora. No teatro, o espetáculo cresceu a ponto de atingir mais de três horas de duração. "Mas ninguém reclamava, as pessoas divertiam-se, emocionavam-se e isso era o mais importante", diz Domingos. Ele acredita que o filme ficará mais enxuto, com menos de duas horas, mas sabe que, para isso, terá de cortar bastante. Metade de Separações já foi rodada, ou melhor, gravada, já que Domingos usou tecnologia de ponta, digital. Gravar metade do filme obedecia a uma estratégia. Ele encontrou amigos produtores dispostos a investir no projeto. Investiram cerca de R$ 100 mil, que Domingos usou da seguinte maneira. Para testar, durante um dia, a técnica de filmagem que pretendia adotar e, depois, para uma semana de gravações, quando gravou metade do filme, tanto quanto possível em ordem cronológica, para mostrar aos investidores. A passagem de ano é justamente a época em que as empresas fecham seus patrocínios, por meio da renúncia fiscal - o Imposto de Renda devido - que é o grande instrumento de captação da Lei do Audiovisual. Não deixa de ser significativo que um diretor experiente como Domingos tenha chegado aos investidores com meio filme praticamente pronto, para mostrar-lhes o tipo de produto no qual estavam investindo. Nem por isso a captação foi fácil. "O momento é difícil", avalia Domingos. Daí a sua opção por um cinema de baixo orçamento. Separações, pronto, não deverá consumir mais do que R$ 1 milhão. Alguém poderia dizer que Domingos está fazendo o Dogma brasileiro. Ele admite que sim, mesmo sem a pretensão de equiparar-se aos monges-cineastas dinamarqueses, para os quais o Dogma começou como um voto de castidade e hoje, nestes tempos de Dançando no Escuro, de Lars Von Trier, virou operação mercadológica. Conta que estabeleceu uma série de regras para a equipe, todas seguidas ao pé da letra e resumidas num ponto - respeito extremo ao plano de produção. Domingos considera que seu desafio foi (está sendo) adequar o plano de filmagem ao orçamento. Ele filma, ou grava, de acordo com o dinheiro que tem. O que imaginava, o seu ideal, muitas vezes sairia mais caro. Quando isso ocorre, Domingos não negocia consigo mesmo, o diretor falando com o produtor - vamos cortar dali para aumentar aqui. Se o dinheiro é esse, ele diz que faz o filme dentro dessas condições. O plano de produção determina a estética e seu desafio passa a ser maior. Como ser criativo, como adequar a idéia ao orçamento, sem prejudicar a primeira? Filmar torna-se, assim, uma atividade lúdica. Avanço digital - Domingos filmou no Baixo Leblon, para dar ao filme uma unidade de paisagem. Filmou em sua casa, no Teatro Glauce Rocha, num motel e na casa de um amigo pintor. Reconstruiu um bar famoso (o Real Astória), porque achava que a ambiência era fundamental, menos para o desenvolvimento da história e mais para a captação de um clima que lhe interessa expor na tela. Não poupa elogios ao digital. Diz que o grande mérito das câmeras digitais é libertar os autores do jugo da iluminação. "No cinema, a gente é escravo da marcação, da luz; o digital, prescindindo dessa marcação toda, nos deixa mais livres para tomadas mais espontâneas." É rápido e eficiente. Ele está fazendo Separações com a luz estourada. Acha que não é só funcional, mas bonito. Como em Amores, o elenco do filme é o mesmo da peça. Separações trará o próprio Domingos, Priscilla, Fábio Junqueira, Nanda Rocha e Maria Ribeiro. Há mais um papel importante, interpretado pela atriz gaúcha Suzana Saldanha. "Suzana é uma grande amiga e uma atriz talentosa que vem trabalhando comigo há tempos; faz uma mulher independente, que vive muito bem sozinha." O filme deve ficar pronto este ano, para lançamento ainda em 2001. Uma frase dita pelo protagonista, Cabral, o personagem que Domingos interpreta, é fundamental. Ele diz que a verdadeira liberdade de um homem não é seguir seus instintos, mas suas escolhas. Numa reportagem sobre a peça Separações, Domingos já havia definido essa frase como sendo expressão de maturidade. Ele não está só mais maduro, está mais sereno também. No cinema e no teatro, vem construindo uma obra coerente, que produziu filmes como Todas as Mulheres do Mundo e peças como No Fundo do Lago Escuro, encenada em São Paulo pelo Grupo Tapa. Domingos é um tipo raro de artista que, embora devotado à sua arte, considera a vida mais importante. É o que explica sua frase no Festival de Gramado de 1998, quando Amores foi exibido participando do concurso. Ganhou três Kikitos: prêmio especial do júri, prêmio da crítica e júri popular. Seu roteiro também foi considerado o melhor do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte, a APCA. E, no ano passado, por Separações, ele ganhou três indicações para o Shell, como melhor ator, autor e diretor, vencendo na segunda categoria. "Minha obra pode ser medíocre, mas minha filosofia de vida é genial." Não é verdade - a primeira parte. A obra está longe de ser medíocre. O cinema e o teatro do País com certeza seriam mais pobres sem o talento (e a habilidade) de Domingos de Oliveira para fazer o que gosta - falar de coisas sérias com humor.

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