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‘Domingo’ transforma brutalidade das relações de classes em humor

Filme de Fellipe Barbosa e Clara Linhart faz da posse de Lula na Presidência um tema de comédia

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fellipe Barbosa acha graça na disposição das pessoas em apontar o ‘erro’. O ano-novo de 2003 foi numa quarta, não num domingo! “Agem como se estivessem me pegando no pulo, como se dissessem - ‘Viu? Ele não fez pesquisa nenhuma’. O filme passa-se no sábado, na expectativa do domingo.” Domingo estreou na quinta, 3. O sábado é especial. Marca o encontro de uma grande família que se reúne na fazenda da matriarca para festejar o ano- novo. No ar, o medo produzido pela posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República (e que foi numa quarta). Que confusão de datas é essa? Tem a ver com uma sutil proposta de intersecção temporal que dá o tom do filme todo. “Foi uma coisa que percebemos que havia no roteiro do Lucas (Paraizo) e que ressaltamos na rodagem, Clara e eu.” Fellipe Barbosa refere-se à codiretora Clara Linhart

Um exemplo - a queda da força, a falta de luz. É uma só, mas com pequenos lapsos de tempo, o ato e o fato são vistos de diferentes pontos de vista. Essa intersecção temporal, transformada em conceito, é o próprio tema. A burguesia teme o que está por vir, com a posse de Lula. A matriarca guarda dinheiro numa conta no exterior. A nora observa que a terra é improdutiva e que a fazenda tem mais é de ser invadida. Mais uma vez, depois de Casa Grande e Gabriel e a Montanha, Fellipe Barbosa coloca em cena a estrutura social brasileira. Casa grande e senzala, patrões e empregados. Casa Grande era sobre garoto criado numa redoma que descobria a existência do mundo além dos limites da sua casa. Gabriel e a Montanha, em homenagem ao amigo Gabriel Buchmann, era sobre garoto que investiga a pobreza na África e encontra a morte no alto de uma montanha mítica.

Reunião. Família se junta para festejar o ano-novo de 2003 Foto: ARTHOUSE

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O cinema de Fellipe Barbosa não exala má consciência, mas carrega a culpa de uma classe média alta que tem suficiente clareza para saber que a concentração de renda é um problema muito sério do Brasil. Em clima de festa, Domingo expõe a brutalidade das relações de classes. É uma comédia ácida de costumes. “Pedro Sotero (o grande fotógrafo) viu e fez uma observação muito interessante”, conta Barbosa. “Disse que é um filme sobre o corpo do ator. Como a gente filma em plano-sequência, os atores têm tempo de elaborar o humor com seu corpo.” Ítala Nandi e Camila Morgado são mestras. “Camila é um monstro em cena e a Ítala tem toda uma história. Foi a melhor amiga da mãe da Clara, que dirige comigo. A mãe dela, Ana Maria Galano, foi a última mulher do Joaquim Pedro, que dirigiu a Ítala, e o filho do Joaquim produziu meu primeiro curta. Tudo se encaixa.”

Como projeto, Domingo é muito anterior a Casa Grande. “O roteiro tem mais de dez anos, mas as circunstâncias fizeram com que os outros filmes saíssem antes. Tanto que, às vezes, no set, o roteiro parecia datado e era um privilégio a gente ter o Lucas junto para atualizar cenas e diálogos.” Domingo já expressa algo que só se acentuou depois, com o tempo. O ódio representado pelo antipetismo.

“Não foi outra coisa que nos trouxe ao atual estado do Brasil. Fiquei um tempo sem rever o filme, porque não aguentava mais, mas o revi outro dia e me dei conta de que já estamos conseguindo rir dessa m... toda. Talvez a próxima etapa seja fazer o luto para zerar e tentar começar de novo.” 

Barbosa filmou numa charqueada em Pelotas, no Rio Grande do Sul. “Era como se o local fosse habitado por fantasmas e eles assombrassem nossos personagens. Isso ajudou muito no clima.” Barbosa grava atualmente cenas da próxima novela das 9, Amor de Mãe. O núcleo é de José Luiz Villamarim, a autora é Manuela Dias. “Tenho gravado muito com as três mães da trama - Regina Casé, Adriana Esteves e Taís Araújo.” E a Isis Valverde, que também está na novela? “Isis é fantástica, e anota o que eu digo. A personagem vai crescer quando a novela for ao ar."

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