Dois bons filmes dão qualidade à reta final do Cine Ceará

O chileno Play e o argentino O Guardião foram as boas atrações da penúltima noite competitiva do 16.º Cine Ceará

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Por Agencia Estado
Atualização:

Play, da chilena Alice Scherson, e El Custodio (O Guardião), do argentino Rodrigo Moreno, foram as boas atrações da penúltima noite competitiva do 16.º Cine Ceará. Falta apenas um filme para completar o quadro dos competidores - o peruano Madeinusa - que não havia sido exibido quando do fechamento desta edição. Desde já se pode dizer que o formato repaginado do Cine Ceará, agora ibero-americano, deu certo. Se nem sempre a curadoria acertou na escolha dos filmes, agiu bem na maioria dos casos. O nível dos concorrentes foi bom e o público pôde ver um panorama diversificado da produção latino-americana. Os deslizes se contam nos dedos, como foi o caso do fraco venezuelano Maroa. Já Play e O Guardião podem figurar como candidatos sérios aos prêmios que serão distribuídos na noite desta quinta-feira no antigo Cine São Luiz, no centro de Fortaleza. Play quebra com o naturalismo de abordagem, dominante no cinema mundial, e opta pelo caminho da fantasia leve, colocando duas vidas paralelas, a da enfermeira Cristina (Viviana Herrera) e a do arquiteto Tristán (Andrés Ulloa). Ela cuida de um velho húngaro doente; ele acabou de ser deixado pela mulher. Suas vidas se cruzam, se o termo cabe, quando Cristina acha a maleta furtada de Tristán e passa a imaginar como seria o dono daqueles objetos. O encontro imaginário do rapaz branco (Tristán) e da índia mapuche (Cristina) fala, de viés, da questão racial do país. De resto é um trabalho delicado, filmado em ambiente rarefeito, que lembra o estilo de Hal Hartley, de quem a diretora chilena deve ser devota. Em outro registro, O Guardião é também um filme de climas e silêncios. Rubén (Julio Chávez) é guarda-costas do ministro do Planejamento e vive a serviço da segurança do chefe. Anula-se. O filme é inteligente na medida em que faz, do fundo do silêncio, brotar aos poucos a personalidade reprimida do guardião, até que esta explode de maneira inesperada. "A idéia da exclusão ultrapassa a condição de um guarda-costas. Podemos ser excluídos em nossa vida cotidiana. O que busquei foi uma metáfora para expressar isso", disse o diretor Rodrigo Moreno em entrevista. No entanto, a idéia central da história nasce de uma situação real. Moreno era casado com uma moça, cujo pai, médico, tornou-se ministro da Saúde da Argentina. Um dia a família foi ao restaurante e Moreno seguiu no carro com os guarda-costas. Durante o almoço, via de longe aqueles dois homens, de terno, vigiando tudo do lado de fora. A estranheza da situação o tocou - "aí há um filme", pensou. E havia mesmo. O resto foi construí-lo segundo a tendência geral da nova geração argentina: com narrativa lacunar, cheia de silêncios e subentendidos, deixando uma parte substantiva da compreensão final a cargo de um espectador, suposto inteligente. Funciona muito bem, em especial a surpresa final, um desfecho inesperado que joga luz, retrospectivamente, sobre a personalidade do silencioso guarda-costas. Em sua entrevista, Moreno expressou preocupação pelo cinema latino-americano, tão celebrado nestes últimos dias em Fortaleza. "No fundo, ninguém quer vê-lo; não tem público nem em seus países de origem e muito menos nos países vizinhos". Com o circuito totalmente dominado pelas produções norte-americanos, Moreno só vê uma solução: a radical intervenção estatal, com reserva de mercado, como é feito na Coréia, por exemplo. Diz que ia fazer um comentário politicamente incorreto: "A Argentina produz 65 longas por ano; é filme demais para o tamanho do circuito disponível para exibi-los." Esses dois filmes se somam outros de ficção com possibilidades de prêmios: o brasileiro As Tentações do Irmão Sebastião e o argentino Iluminados pelo Fogo. Entre os documentários, os destaques desta edição foram o mexicano Ao Outro Lado e, num patamar algo abaixo, O Comitê, do Equador, e Inverno em Bagdá, da Espanha, dirigido por um peruano. Um bom nível de mostra, informativa e útil para cinematografias muito mal divulgadas fora dos seus países. E às vezes mal assimiladas em seus próprios países de origem. O repórter viajou a convite da organização do festival

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