Documentário mostra a parceria caótica de Nick Cave e Warren Elli

‘This Much I Know to Be True’, dirigido por Andrew Dominik, traz os músicos em prédio em ruínas, onde meditam sobre a vida

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Por Mariane Morisawa
Atualização:

Na primeira sequência do longa This Much I Know to Be True, que está disponível na MUBI, Nick Cave anuncia que mudou de ramo para virar ceramista, pois não dá mais para viver de música durante a pandemia. Ele começa a mostrar as estatuetas que fez representando a vida do diabo – as imagens e referências religiosas são frequentes em sua obra musical também. “Claramente, a vida do diabo é a vida de Nick”, disse o diretor Andrew Dominik, em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência, durante o último Festival de Berlim, onde o filme foi exibido em sessão especial.  Dominik tinha colaborado com Nick Cave e seu parceiro Warren Ellis em trilhas sonoras de seus longas de ficção, como O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, além de ter dirigido outro documentário com Cave e a banda Bad Seeds, One More Time With Feeling (2016), meses após a morte do filho do músico, Arthur Cave, em um acidente. 

Nick Cave e seu grupo no documentário 'This Much I Know to Be True': sem medo de se arriscarem Foto: Mubi

“As cerâmicas são uma expressão de sua culpa pela morte do filho, que é um sentimento que as pessoas carregam, lógico ou não. Nick agora tem consciência de que a vida é uma série de despedidas. A gente tem de aguentar com graça, com amor pelos outros e com a consciência de que estamos todos juntos nessa. Ele está muito mais preocupado com as pessoas em sua vida do que com sua carreira, o que não acho ter sido sempre o caso”, completou o cineasta. O diretor conheceu o músico há 35 anos e descreve o Cave da época como “aterrorizante”. Warren Ellis, seu colaborador há décadas, membro oficial da Bad Seeds desde 2005 e cocriador das trilhas sonoras em parceria com Cave, minimizou essas transformações: “Ele mudou, mas todo o mundo muda”.

Fotos do show de Nick Cave and The Bad Seeds no Espaço das Américas, em São Paulo, em 14 de outubro de 2018 Foto: Fabrício Vianna

This Much I Know to Be True, que traz Cave e Ellis em um prédio em ruínas, interpretando faixas dos álbuns Ghosteen (2019) e Carnage (2021), com auxílio de outros músicos e a participação de Marianne Faithfull em uma das canções, mostra que a mudança foi profunda. Nick Cave não só dedica parte de seu tempo à cerâmica, como a um blog no qual medita sobre a vida e oferece conselhos e um ombro amigo a pessoas passando por momentos difíceis. “O filme mostra alguém que se recuperou e está vivendo uma vida com significado e beleza”, disse Dominik. One More Time With Feeling, o filme anterior, trazia alguém tentando dar os primeiros passos para se afastar do trauma. Não acho que o Nick daquele filme poderia imaginar o Nick desse. Ele percebeu que honrar a memória do filho significa viver bem e cuidar de quem ficou.”Para Ellis, seguir de perto como o amigo e a família têm lidado com tamanha perda é uma lição de humildade. O que o filme também mostra é que, por mais anárquico que pareça ser o processo dos dois músicos, ele resulta em momentos sublimes, realçados pelo trabalho de câmera e desenho de luz – a direção de fotografia é de Robbie Ryan. 

Nick Cave na Praça da República, em 15 de abril de 1989 Foto: MICHELE MIFANO/ESTADÃO

Várias fichas caíram para o próprio Ellis, ao assistir ao filme. “Nossa colaboração é muito codependente”, disse. “Tenho a impressão de que cada um de nós faz o que o outro não faz. Não trocamos muitas palavras. Nos reunimos e fazemos música de maneira bagunçada, e Nick consegue me organizar. Vendo o filme, eu percebi como sou caótico. E Nick é a ordem. Eu nunca tinha pensado sobre isso até assistir.” O segredo, para Ellis, é que os dois, assim como Andrew Dominik, mantêm-se curiosos em relação aos processos e colisões. “Confiamos na emoção e no instinto e temos total fé uns nos outros. Assim não temos medo de arriscar nem de fracassar.”

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