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Documentário italiano <i>Política Zero</i> retrata uma geração

Filme, que fez sua pré-estréia mundial na 30.ª Mostra, tem nesta quinta-feira sua última exibição

Por Agencia Estado
Atualização:

Não deixa de ser irônico o fato de o cinema político italiano, na figura de mestres como Elio Petri, Vittorio De Seta e Dino Risi, seja um dos temas principais da 30.ª Mostra de Cinema de São Paulo, que acaba nesta quinta-feira, com a premiação dos melhores filmes segundo o júri, a crítica e o público. Ironia esta porque durante a mesma Mostra foram exibidos filmes como o polêmico O Crocodilo, de Nanni Moretti, e o hilário Bye Bye Berlusconi!, de Jan Henrik Stahlberg. São filmes que propagam os ecos de uma Itália que acaba de passar por momento especial da política, que em suas mais recentes eleições, ocorridas no primeiro semestre deste ano, desbancou de vez o magnata das telecomunicações e o tirou do cargo de primeiro-ministro, o mais alto cargo político do país, que atualmente é ocupado por Romano Prodi, líder da coligação centro-esquerdista Oliveira. Mas um terceiro, que tem sua última exibição nesta quinta, às 21 horas, no Cine Morumbi Shopping, merece atenção redobrada. Trata-se de Política Zero, de Alberto Piccinini, Giovanni Giommi, e Massimo Coppola, que fez sua pré-estréia mundial em São Paulo e ainda está inédito na Itália, onde estréia no fim deste mês, no Festival de Cinema de Turim. Fase de desilusões políticas O nome é profético e conclusivo. Mas vale acompanhar os 125 minutos desta investigação sobre cidadãos que não estão acima de qualquer suspeita. Em uma Itália (aliás, toda Europa e, o mundo globalizado) que vive plena fase de desilusões políticas, ninguém é inocente. Nem mesmo aqueles que se deixam seduzir pelos letreiros coloridos e material de divulgação de altíssima qualidade, como muito bem observa Massimo Coppola, que é diretor e inquisidor das convicções políticas de um país que já teve mais ?forza? política tanto em suas eleições quanto em seu próprio cinema. Coppola pergunta a uma ativista: ?Qual são os valores na coligação Forza Italia (a de Berlusconi) que o fizeram entrar para o movimento?? Ela responde: A liberdade. Ele retruca: ?Liberdade de que?? Ela: ?De tudo?. Ele não se dá por satisfeito: ?Mas há algum valor além da liberdade? ? Ela finaliza:?Não?. Conclusão óbvia: Política zero. A liberdade, como concluiu o contundente Coppola, não é um valor. É uma emoção. E é a emoção, e não a razão, nem bases políticas sólidas, nem o diálogo político, que permeiam as eleições e a vida política italiana (e por que não dizer mundial) atual. Para revelar estes fatos e destrinchar o cenário político recente italiano, os diretores optaram por acompanhar quatro jovens candidatos do país, que variam da extrema esquerda à extrema direita. Surpreendentemente, não é exclusividade nem dos mais conservadores nem dos mais progressistas a falta de diálogo com seu interlocutor. ?Na maioria das vezes, os candidatos possuem um monólogo sobre suas plataformas e convicções que são repetidas à exaustão. Não havia diálogo entre a gente. Este é o caso de Mara Carfagna (que já foi show girl da RAI, rede de TV que pertence, não por acaso, a Berlusconi). Os candidatos da Forza Italia ganham um kit pronto quando se aliam e repetem este discurso pronto feito papagaios?, comenta Coppola. ?Uma das raras exceções é quando o candidato Arturo Scolto, ao fim de um debate televisivo, afirma que também não lhe agradava aquele tipo de política televisiva, feito em dois minutos de discurso?, completa. Privilégio de acompanhar eleições no Brasil Coppola e Piccinini, que passaram a última semana em São Paulo participando da Mostra, de onde partem nesta quinta-feira de volta para Milão, observam que tiveram um privilégio, o de testemunhar as eleições em uma América Latina em que, ao contrário do que se observa na Europa, o povo presta mais atenção às questões políticas. ?Claro que há a corrupção e é muito triste que tenham acontecido coisas tão desagradáveis. Mas Alberto observou e acho que ele tem razão. Agora, ao menos, se sabe dos atos de corrupção que são cometidos?, argumenta Coppola, que também escreveu, dirigiu e apresentou a série de documentários Avere Ventanni, em que retrata a juventude italiana na era Berlusconi. De volta à questão inicial, o cinema italiano há tempos não produzia com tamanha contundência filmes voltados à questões políticas e sociais que o consagraram. Estaria este tão festejado cinema político italiano em crise? Ou é só um reflexo da crise que permeia a própria sociedade italiana? ?Acho que os dois. O filme se chama Política Zero porque a resposta dos jovens às nossas questões era sempre esta: Política? Zero. Apesar de ter tido sempre muito diálogo com o jovem nas séries que dirigi, em que questionávamos estes jovens sobre suas convicções políticas, estou um tanto quanto cansado de tratar de política. Foi um processo exaustivo?, afirma Coppola. ?E, na minha opinião, quanto ao cinema, não já uma crise do cinema político, mas uma crise da política italiana. O cinema político dos filmes exibidos na Mostra, quando foram realizados, não tinham consciência de que seriam tachados assim. Elio Petri é uma referência para nós, italianos, mas não necessariamente como ?cineasta político?. Este fato não deixa, realmente, de ser engraçado.? Por fim, a resposta, tanto à presença no cinema quanto à vida dos jovens italianos de hoje, vem implacável neste importante documentário, que pode vir a ser o documento de uma época, de uma geração. A voz do povo é a voz de Deus, não? E Política Zero é uma carta aberta não a Deus, mas à juventude italiana. Carta esta que pode ser lida também pela juventude brasileira.

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