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Documentário de Charlotte Gainsbourg marca reaproximação com a mãe, Jane Birkin

'Charlotte precisava da reafirmação, e eu também, porque em todas as suas entrevistas eu tinha impressão de que seu pai era o único que importava', contou mãe sobre relação com a filha; 'Jane by Charlotte' será exibido no Festival de Cannes

Por Mariane Morisawa
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Charlotte Gainsbourg é filha de dois ícones: o cantor e compositor Serge Gainsbourg (1928-1991), autor da canção Je T’Aime... Moi Non Plus, e a cantora e atriz Jane Birkin, tão pop que foi homenageada com a famosa e caríssima bolsa Birkin pela grife Hermès. Charlotte começou sua carreira como atriz e cantora aos 12 anos, fazendo a filha de Catherine Deneuve em Paroles et Musique e gravando com seu pai a controversa Lemon Incest, com alusões a um relacionamento incestuoso entre pai e filha adolescente. 

Agora, a atriz de produções como Melancolia estreia na direção com Jane by Charlotte (Jane por Charlotte, na tradução livre), um documentário íntimo e pessoal sobre sua mãe, exibido na seção Cannes Premiere, no Festival de Cannes.

Jane Birkin e Charlotte Gainsbourg no 74º Festival de Cinema de Cannes, em 8 de julho de 2021 Foto: Valery Hache/AFP

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A ideia, segundo Charlotte Gainsbourg, era muito simples. “Diria que é um desejo de intimidade com minha mãe, e isso é tudo”, disse ela, em entrevista no material de imprensa. Em 2013, a meia-irmã mais velha de Charlotte, a fotógrafa Kate Barry, filha de Jane Birkin e do compositor John Barry, morreu ao cair do apartamento onde morava, num aparente suicídio. Logo depois, Charlotte arrumou as malas e partiu com o marido, o ator Yvan Attal, e os três filhos, Ben, Alice e Jo, para os Estados Unidos. 

“Eu me refugiei em Nova York por um bom tempo, o que criou uma distância entre mim e minha mãe”, disse ela. “Tínhamos vivido maus bocados com a morte de Kate. Eu percebi que claramente nos amávamos, mas nunca tínhamos conseguido dizer isso. Havia uma reticência entre nós que eu queria explorar. Eu precisava de um motivo para ficar perto dela.”

Jane Birkin aceitou a proposta, e as filmagens começaram durante sua estadia no Japão para um show, em 2018. As duas filmaram uma longa entrevista no Chigasaki-Kan Hotel, o mesmo lugar onde o cineasta Yasujiro Ozu escrevia seus roteiros. Dela saem declarações como: “Você me intimidava quando era criança”. E Charlotte admite que sente a mesma coisa com sua filha do meio, Alice. Elas refletem sobre serem ambas filhas do meio – Charlotte tem outra meia-irmã, a cantora, atriz e modelo Lou, do relacionamento de Birkin com o cineasta Jacques Doillon. 

As duas também falam sobre beleza e envelhecimento. Propositalmente, Charlotte não usou imagens de arquivo, da juventude de Birkin. Sua ideia era falar do passado e mostrar o presente. “Ela é um exemplo para mim”, disse a diretora, na entrevista. “Eu queria que ela estivesse bonita no filme no sentido de querer ver o que eu percebo dela. Mas eu não posso ser como ela. Não tenho sua graça e, por muito tempo, sofri por não ter sua beleza. Não posso dizer a mim mesma que vou envelhecer como ela, porque não começamos no mesmo nível.” 

Jane Birkin aparece sem maquiagem, com roupas despojadas, que Charlotte descreve como cuidadosamente desleixadas. A mãe diz no documentário que parou de se preocupar com o envelhecimento. 

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A filmagem não foi desprovida de percalços. Na volta do Japão, sua mãe disse que não queria continuar. No ano passado, quando Birkin foi visitá-la em Nova York, as duas reviram o que tinham gravado, e a mãe concordou em prosseguir. Pouco depois, Charlotte voltou a morar em Paris.

As duas visitam juntas o apartamento de Serge Gainsbourg na Rue de Verneuil, mantido exatamente como estava desde sua morte, 30 anos atrás – incluindo o que havia na geladeira e na despensa. Jane Birkin, que se separou do pai de Charlotte em 1980, não tinha voltado ao lugar desde então, por sentir que pertencia somente à filha. E ela tinha certa razão. Charlotte sempre viu aquela casa como o que tinha sobrado de Serge que era só seu. Agora, vai transformar o local em museu. 

Elas também se encontram na casa de Jane Birkin na Bretanha, onde ela parece mais à vontade, especialmente na presença da neta Jo, que quase não viu crescer. De modo velado, Birkin fala sobre o câncer, que combate há alguns anos.

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Em dado momento, conversam sobre Kate. Charlotte projeta na parede imagens da infância da irmã mais velha, mas Jane Birkin não consegue olhar. A diretora contou na entrevista que sua atitude em relação à morte da irmã foi completamente diferente da que teve na perda do pai. “No caso dele, rejeitei tudo, não quis olhar nada de arquivo. Estranhamente, no caso de Kate, eu procurei fotos, eu queria falar sobre ela em todas as chances que tinha. Porque, no caso do meu pai, todo o mundo falava sobre ele. Enquanto Kate não era tão conhecida, e eu claramente precisava falar dela.”

Para Jane Birkin, fazer o documentário foi importante para a relação das duas. “Charlotte precisava da reafirmação, e eu também, porque em todas as suas entrevistas eu tinha impressão de que seu pai era o único que importava”, disse Birkin na entrevista para o material de imprensa. No fundo, Jane por Charlotte é uma grande declaração de amor de uma filha à sua mãe.

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