Dívida externa financia cinema brasileiro

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Por Agencia Estado
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Elisa Tolomelli ligou seu nome à empresa Videofilmes. Foi produtora executiva de Central do Brasil, de Walter Salles, de O Primeiro Dia, de Salles e Daniela Thomas, e do ainda inédito Lavoura Arcaica, que Luiz Fernando Carvalho adaptou do romance de Raduan Nassar. O filme, cuja produção se arrasta há tempos, está de novo parado porque Carvalho finaliza, na Globo, a minissérie Os Maias, adaptada do romance de Eça de Queirós. Elisa repete o que tem ouvido com freqüência - Lavoura Arcaica está lindo. Ela também está animada com Death in the Water, o thriller que acabou de rodar em outubro, em Angra dos Reis, com direção de Gustavo Lipsztein. Death in the Water vai se chamar Mortos na Água, no País. O filme já está no segundo corte e Elisa diz que, embora ainda seja preciso fazer ajustes aqui e ali, está encantada com o trabalho do diretor estreante. O filme é bem narrado, tem ritmo e a fotografia de Marcelo Durst, leia-se Estorvo, de Ruy Guerra - a melhor direção de foto do ano, segundo a Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) -, é prodigiosa. Só isso já bastaria para deixar Elisa alegre. Afinal, por meio de sua empresa E.H. Filmes (as iniciais dela e do irmão Humberto), ela é a produtora brasileira do filme que tem, como sócia americana, a DITW Productions, de Los Angeles. Há mais motivos para satisfação. Ela acaba de realizar a maior operação de conversão de dívida externa da história do cinema brasileiro. Por meio desse mecanismo, que ainda é pouco utilizado, captou US$ 800 mil para Mortos na Água. Quem é do ramo sabe o quanto anda difícil a captação para projetos cinematográficos no País. Essa é justamente a época da corrida às empresas, porque o principal mecanismo empregado para a produção no Brasil é a renúncia fiscal, por meio da Lei do Audiovisual. O governo abre mão de parte do Imposto de Renda devido e as empresas podem investir na produção de filmes, ligando seus nomes (ou marcas) aos títulos que mais lhes interessam. Isso coloca na mão de executivos da área de marketing o poder de decisão sobre um dinheiro que, na verdade, não é deles, mas do contribuinte. Esse mecanismo, que tem permitido ao cinema brasileiro sobreviver, apresenta problemas - e um sintoma desses problemas é o fato de Laís Bodanzky, que fez o filme brasileiro mais importante do ano (ou da década), ainda não conseguiu captar a verba necessária para o lançamento de Bicho de Setes Cabeças porque as empresas não querem ligar seu nome a uma obra que trata de temas polêmicos como drogas, o sistema manicomial e a repressão familiar. É um caso raro de punição por ter feito um filme maravilhoso. Pois bem - Elisa Tolomelli descobriu uma outra forma (legal) de captar recursos para a produção de filmes no País. É possível fazê-lo por meio da conversão da dívida externa. Em miúdos - quando o governo brasileiro renegociou a dívida externa, os investidores estrangeiros ficaram de posse de títulos com vencimento para daqui a cinco ou dez anos. Quem não está disposto a esperar para ter seu dinheiro de volta pode negociar esses títulos para a produção de filmes. Elisa descobriu o caminho das pedras. Roteirista, produtora e diretora, ela foi também diretora comercial da Riofilme. Conhece bastante, não só as leis de incentivo, mas também a realidade dos mercados externo e interno. Usa o que se pode chamar de terceira via para captação de recursos para cinema no Brasil. A primeira, mais empregada, é a Lei do Audiovisual; a outra é a que permite às empresas estrangeiras investirem na produção cinematográfica, o que fazem as americanas Columbia, Warner e Fox. A terceira via de Elisa é a conversão da dívida externa. A dificuldade, ela informa, é que são necessários contatos lá fora. Por meio da Lei do Audiovisual, o captador que tem seu projeto aprovado recorre a uma corretora que faz a captação - e fica com a parte dela. Essa modalidade concentra a fase do dinheiro numa época, o fim do ano. A captação pela conversão da dívida pode ser feita em qualquer época do ano e independe de corretora. Só precisa a tal empresa lá fora. No caso de Elisa, a DITW. O mecanismo é até certo ponto simples, apesar dos entraves burocráticos. Ela, por exemplo, demorou oito meses para chegar ao resultado que agora comemora. O captador, quando entra com seu projeto na secretaria do Audiovisual, deve informar que pretende usar esse mecanismo. A secretaria do Audiovisual aciona a secretaria da Fazenda, que, por sua vez, comunica o fato ao Banco do Brasil. O investidor lá fora compra os títulos da dívida, lucrando no processo. Por exemplo, compra por 70 cents ou 90 cents títulos que valem US$ 1. No deságio, já ganha algo em torno de 17% a 20% do investimento, independentemente do resultado do filme. É um mecanismo que funciona - Elisa que o diga. Ela não só vai recorrer de novo a ele, para conseguir o dinheiro do lançamento no País - que lhe cabe por contrato, já que a DITW possui os direitos internacionais -, como tem planos de fazer novos filmes com a empresa americana. Sua advertência - eles encaram o cinema como negócio. Querem um produto bem acabado e com nomes atraentes no elenco para garantir a circulação internacional. No caso de Mortos na Água, Dominique Swain, a Lolita de Adrian Lyne, e Henry Thomas, que foi o garoto de ET.

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