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'Dívida de Honra' subverte a lógica do western clássico

Filme de Tommy Lee Jones estreou nas salas brasileiras

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Veja o filme, leia o livro. Leia a orelha do livro e o posfácio. Homesman integrou a competição de Cannes no ano passado, mas o júri presidido pela cineasta Jane Campion não lhe outorgou nenhum prêmio. Com o título de Dívida de Honra, estreou na quinta passada. Baseia-se num livro de Glendon Swarthout que Alysson Oliveira, pós-graduado em literatura norte-americana, define na orelha como o Santo Graal dos romances do Velho Oeste, um livro que ele próprio perseguiu durante anos mas que não conseguia ler porque estava esgotado. No pósfácio, Miles Swarthout narra o processo criativo do pai, como Homesman/Dívida de Sangue foi escrito e obteve imediata consagração, tornando-se o grande romance de faroeste de 1988.

Nem o xerife Clint Eastwood cultiva mais o gênero. De gênero por excelência do cinema norte-americano, o western tornou-se o filho pródigo, senão o maldito. Raros westerns ainda são produzidos. Dívida de Honra nem é um faroeste, no sentido clássico. Beneficia-se da paisagem e dos personagens, mas subverte sua lógica. No western tradicional, homens e mulheres desempenhavam funções bem definidas. Eles eram os heróis, os salvadores, os provedores. O homem conduzia a manada, enfrentava o inimigo a tiros ou com a força dos punhos. O espaço da mulher era a casa. Barbara Stanwyck foi das raras a usar faca na bota e a enfrentar os homens em westerns de Samuel Fuller e Anthony Mann. Joan Crawford protagonizou o faroeste feminista de Nicholas Ray, Johnny Guitar, cujo duelo final era entre mulheres, não homens.

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Meio enviesado, Dívida de Honra não deixa de ser um western com um quê de feminista, como o define Alysson Oliveira. Mary Bree/Hilary Swank é a colona que assusta os homens com sua eficiência, tocando a propriedade com determinação. Quer se casar, mas assusta os homens. Mary assume a tarefa mais difícil de todas. Vai transportar, numa longa viagem pelas planícies, mulheres que enlouqueceram e que a comunidade despacha para um sanatório no Leste. Ela não ganha ajuda, mas cobra, de George Briggs. Ele não tem alternativa. Quando o filme começa, Briggs está com a corda no pescoço, lutando para não morrer enforcado. Mary promete salvá-lo, se ele, em troca, a acompanhar na travessia.

Hollywood contou muitas histórias de indivíduos e de grupos cruzando o Oeste. Muitas são histórias de iniciação, sobre como garotos viram homens. A lógica de Glendon Swarthout é outra. Nem Mary é uma donzela indefesa nem Briggs é tão traspaceiro que não vá hopnrar seu compromisso com ela. Todos têm histórias no filme e no livro, incluindo as 'loucas'. A jornada revela-se mortal. Conseguirá Mary perder a virgindade? E onde surge Meryl Streep, já que seu nome aparece com destaque no cartaz do filme? Tommy Lee Jones não só faz o papel de Briggs como é o diretor. Dívida de Honra pode não ser tão bom quanto seu primeiro longa, que também aproveitava ingredientes (e paisagens) de western, Três Enterros. Tommy Lee Jones adora as asperezas do western, seja dos cenários ou dos homens (e mulheres). Mas você não precisa ser fã de carteirinha do gênero para apreciar o que Dívida de Honra tem de bom.

Glendon Swarthout ganhou os maiores prêmios que um escritor de faroestes pode ambicionar. Só por Dívida de Honra, que sai pela Editora Planeta, somou o Spur Award dos Westerns Writers of America ao Wangler Award da Western Heritage Association. Filho de um banqueiro e construtor, Swarthout nasceu em Michigan, em 1918 (e morreu em 1992). Destinava-se à publicidade quando descobriu o amor do western, e decidiu se tornar escritor. Como o diretor Delmer Daves, virou uma espécie de documentarista do western, fazendo pesquisas acuradas para garantir acuidade e verossimilhança a seus livros.

O primeiro, They Came to Cordura, de 1958, quando tinha 40 anos, foi adaptado para o cinema e virou, no ano seguinte, Heróis de Barro, de Robert Rossen, com Gary Cooper e Rita Hayworth. Também não era um western clássico, mas assimilava a paisagem por meio da história de grupo envolvido na captura do revolucionário mexicano Pancho Villa. O título brasileiro deixa clara a intenção desmistificadora. Nos anos 1970, Don Siegel adaptou O Último Pistoleiro, que ficou famoso como o último filme protagonizado pelo lendário caubói John Wayne, na pele de um homem que está morrendo de câncer, mas tem uma derradeira missão a cumprir, fornecendo as ferramentas para que um garoto se transforme em homem de verdade, e o jovem ator que fazia o papel, Ron Howard, virou um diretor importante, mesmo que não exatamente amado pelos críticos. Pelo escritor, pelo diretor (e elenco), Dívida de Honra, no duplo formato, filme e livro, é bom de ver, e ler.

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