PUBLICIDADE

Diretora trata sexualidade em 'A Última Amante'

Catherine Beillat comenta as dores e as delícias de discutir sexo tão abertamente

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Qual é a forma respeitosa de se dirigir a uma cineasta francesa? Jeanne Moreau, entrevistada pelo repórter do Estado, disse que uma atriz francesa é sempre ‘mademoiselle’, não importa sua idade ou estado civil. O repórter pergunta a Catherine Breillat como chamá-la - madame? "Surtout pas, madame." De jeito nenhum. "Chame-me Catherine, ou mesmo Breillat." Ela é muito ciosa de si mesmo como 'autora'. Não diga que é realizadora, porque ela poderá ofender-se.   Trailer de 'A Última Amante'   Catherine Breillat esteve em São Paulo na semana passada, integrando a caravana de artistas franceses que vieram ao País para prestigiar o 1º Panorama do Cinema Francês no Brasil. Catherine trouxe, para mostrar aos espectadores brasileiros, seu novo filme. Une Vieille Maitresse (Uma Velha Amante) virou A Última Amante. A personagem-título é interpretada por uma atriz cult, a italiana Asia Argento, filha de Dario.   A Última Amante representou a França no Festival de Cannes do ano passado. Na Croisette, muita gente se lembrou de As Ligações Perigosas, mais até o livro de Choderlos de Laclos do que as adaptações de Stephen Frears, Milos Forman (Valmont) ou Roger Vadim (As Ligações Amorosas). Catherine Breillat entende, mais do que aceita, essa filiação. Afinal, como ela diz, falta o que seria fundamental nessa ponte - a Marquesa de Merteuil. "Meu filme trata do desejo, e numa perspectiva feminina, mas Vellini (a personagem de Asia Argento) não é a pérfida Marquesa de Merteuil, que impulsiona Valmont a encarar a conquista amorosa como uma batalha que precisa ser executada, e exige estratégias."   Seu filme se baseia num romance de Barbey d’Aurevilly, "um romance muito bom", que ela teve vontade de adaptar, desde que o leu, há quase 20 anos. Se tivesse conseguido fazê-lo no início de sua carreira, Asia Argento não estaria nele. Foram necessários dez filmes - A Última Amante é o 11º - para que ela conseguisse convencer os produtores a investir todo o dinheiro necessário para o projeto. "Meus dez filmes anteriores, todos juntos, não custaram tão caro quanto este", ela conta. Tudo é autêntico - os vestidos, as jóias. Apesar de todo o cuidado com a cenografia e os figurinos, ela não se furta a comentar que A Última Amante sequer foi indicado para o César, o Oscar do cinema francês, nestas categorias. "É uma amostra da estima que a categoria tem, por mim", ela diz.   Não só a categoria - os críticos, também. Boa parte desse parti pris negativo se deve ao fato de Catherine ousar - e fazer filmes que discutem tão abertamente a sexualidade humana (e a feminina, em especial) que, em Romance, ela chegou ao limite do sexo explícito. "Na França, eu virei emblema do que um diretor pode fazer na abordagem do sexo no cinema. Nunca me impus limites.   Como artista, tenho a convicção de que devo ousar." E ela tem ousado - nascida numa pequena cidade do interior da França, não foi fácil vencer todo tipo de preconceito e tornar-se escritora, antes que diretora. Nem a doença - Catherine Breillat anda de bengala, como conseqüência de um acidente cerebral que teve há alguns anos.   Ela diz que o fato não a limita. "Sou uma diretora física. Trato de relações físicas, exercito meu corpo para mostrar aos atores o que quero. Continuo fazendo tudo isso", ela conta. A Última Amante passa-se num período de transição, entre o fim da era da razão - e da filosofia de alcova do Marquês de Sade de Chordelos de Laclos - e o início do romantismo, que levará ao amor louco.   O filme conta a história de um alpinista social na França do começo do século 19. Ryno de Marigny é amante da Vellini, mas casa-se com uma mulher mais jovem. A idade é importante, e por isso o título original é mais apropriado - Uma Velha Amante. Foram os distribuidores norte-americanos que mudaram, e o brasileiro apenas segue a tendência.   "Não é um filme na tradição da literatura libertina", esclarece a autora. Catherine, mais uma vez, está querendo falar da sexualidade feminina numa sociedade controlada pelos homens e, na qual, as mulheres tentam adquirir uma liberdade que ainda é exclusiva deles.   Todas as falas do arcebispo na cena do casamento, retiradas da Epístola de São Paulo, tratam justamente desse primado do masculino sobre o feminino, e é contra isso que Catherine, como suas personagens, se insurge. Apesar da origem na literatura, ela admite seu interesse pelas artes visuais e acha que ele transparece na suntuosidade cênica de seu novo filme. Há um tom operístico em A Última Amante, ela comenta. E a Vellini, lá pelas tantas, torna-se a Olímpia de Manet. Catherine Breillat não é só provocação sexual, ou comportamental. Quer ser alta cultura, também.     A Última Amante (Une Vieille Maîtresse, França/ 2007, 114 minutos) - Drama. Direção de Catherine Breillat. 16 anos. Cotação: Bom

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.