Diretora de ‘Tal Mãe, Tal Filha’ fala sobre o estigma de só fazer 'comediazinhas'

Noémie Saglio também comentou a crise do mercado de trabalho

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Noémie Saglio e Camille Cottin são naturalmente engraçadas, quando juntas. As duas estiveram no Brasil, em junho, integrando a delegação francesa no Festival Varilux. Fizeram trapalhadas dignas de... Quem?... no palco do Odeon, no Rio, ao apresentar Tal Mãe, Tal Filha. Humor verbal, gestual. Noémie escreve e dirige, Camille interpreta. “Ela escreve para mim”, contou Camille. E Noémie – “Camille sou eu diante da câmera. Temos um entendimento que independe das palavras. Às vezes, sinto que a cena não está rendendo e peço a Camille para improvisar. Ela me surpreende fazendo sempre justamente o que não estou conseguindo verbalizar.”

Há dois anos, outro filme de Noémie Saglio trouxe o ator Pio Marmaï a outro Festival Varilux. Beijei Uma Garota. A cura gay! Pio, casado com homem, acorda na cama com uma garota. Sua vida sofre um revertério e, a despeito dos pais – que preferem o ‘marido’, e do próprio companheiro –, ele vai adiante com a ligação hétero. Tal Mãe, Tal Filha é agora sobre mãe e filha que engravidam ao mesmo tempo. Camille e Juliette Binoche. Noémie conta, ou melhor, reclama. “Você deve estar acostumado a ouvir mulheres reclamando do mercado de trabalho.” Com certeza.

Avril e Mado. Camille Cottin e Juliette Binoche Foto: California Filmes

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As atrizes queixam-se da ausência de bons papéis para mulheres maduras e da diferença salarial – atores, em geral, ganham mais. E Noémie – “Eu não apenas ganho menos como existem colegas que nem me consideram diretora. Eu e minhas comediazinhas. Não me levam a sério. Gostaria de dirigir um filme de carro, de porrada, mas na França isso é impraticável. Sou uma ‘diretora’, entre aspas, de mulherzinhas.” Noémie queria fazer um filme sobre diferenças geracionais e inversão de papéis. Que melhor história que mãe e filha grávidas? “Não temos muita diferença de idade, Camille e eu, então, pertencemos à mesma geração. Somos filhas das mulheres libertárias que viveram a revolução dos anos 1960. Sexo, drogas e rock’n’roll. Nós, pelo contrário, somos filhas da hecatombe. Crescemos ouvindo que o mundo ia piorar, não teria solução, que a competitividade seria imensa no mercado e as mulheres, discriminadas. Bem, aconteceu, não?”

Tal Mãe, Tal Filha nasceu para refletir esse estado do mundo. A inversão de papéis – mamãe, que sempre foi hippie, não mudou nada com a idade. Continua meio inconsequente, ao contrário da filha, que leva adiante a gravidez das duas. É uma história autobiográfica? – “Ah, não”, diz a diretora. “É pessoal porque sempre me aproprio do que sinto e observo nos outros e em mim mesma, mas Juliette (Binoche) não é calcada em minha mãe. O pai, eu até diria que tem alguns elementos do meu.” Camille Cottin fala de sua personagem – “Gosto de fazer humor por causa disso. As mulheres de minha geração são muito estressadas. Essa coisa de competir para se afirmar no universo masculino esgota qualquer uma. Ao fazer humor, podemos brincar com tudo isso. Criticar desde dentro. É muito libertador.”

E Juliette Binoche, como entrou no projeto? “Simples, precisava de uma mulher madura que fosse sexy. Imediatamente, pensamos, Camille eu, em Juliette. Liguei para sua agente, para ver se lhe interessaria fazer uma comédia? Ela justamente disse que Juliette andava reclamando que só lhe ofereciam personagens de dramas. E aí aconteceu de ela fazer duas comédias – meu filme e o de Bruno Dumont, Ma Loute/Mistério na Costa Chanel. Juliette é ótima, divertida, a antiestrela. Mas na França fui criticada pela pouca diferença de idade entre as personagens. Sinto por quem não gostou. Estou muito feliz com minhas atrizes.”

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