Diretor Joaquin Lafosse e a crítica do humanitarismo no filme 'Os Cavaleiros Brancos'

Autor belga coloca o engajado Vincent Lindon no centro de polêmica que não se conclui em ‘Os Cavaleiros Brancos’

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

É provável que, no final de Os Cavaleiros Brancos, o espectador desconcertado com o desfecho do filme de Joaquin Lafosse se levante logo para sair da sala. Se assim proceder, vai perder, nos créditos, uma informação que se presta a muita especulação. No começo, uma legenda diz que Os Cavaleiros Brancos se baseia livremente numa história real. No fim, outro letreiro informa que a inspiração veio de Sarkozy dans l’Avion – Les Zozos de la Françafrique. O que o ex-presidente Nicolas Sarkozy tem a ver com a tentativa de uma associação humanitária de transportar 300 órfãos para a França, onde seriam adotados?

Ocorre que a organização foi acusada de sequestrar cidadãos chadianos que não eram necessariamente órfãos. O grupo foi julgado e condenado e Sarkozy interveio quando o nome de seu irmão veio a público ligado a um laboratório farmacêutico que usava populações africanas como cobaias – a denúncia de O Jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles, vale lembrar. O curioso é que Os Cavaleiros Brancos não se preocupa em ‘fechar’ sua história. No fim, ela fica em aberto – o que ocorreu com aquelas pessoas? Aqueles órfãos? Nenhum letreiro vem tranquilizar o público. A conclusão óbvia é que o desfecho da história real não é o que interessava ao diretor. Mas o que é, então?

Cena do filme Cavaleiros Brancos Foto: Divulgação

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Nascido em 1975, o belga Lafosse tornou-se conhecido, e admirado no circuito dos festivais, por filmes como Lições Particulares e Perder a Razão. É considerado cria, ou pelo menos filiado a Michael Haneke, compartilhando com ele a noção que muitos críticos chamam de ‘tragédia esvaziada’. Personagens e situações parecem articulados para compor uma tese sobre o estado do mundo. No início, parece simples. Vincent Lindon e seu grupo percorrem aldeias africanas tentando convencer os líderes tribais a repassarem crianças que serão adotados na França. A organização a que pertencem é humanitária, mas não é uma ONG. O dinheiro é um tema constantemente referido e a alcance dessa ação, também. Visa a crianças de até 5 anos, não de 6 nem 7, como algumas com quem os integrantes se envolvem.

Há uma jornalista no grupo. Comunica-se com seu editor na Europa e parece que possui uma agenda própria. Parece que está ali infiltrada para levantar informações para uma reportagem de denúncia. Descobre que o personagem de Lindon está tendo problemas com o governo francês. Justamente Lindon parece obcecado pelos aspectos éticos da operação, com sua legalidade. Durante duas horas o filme descreve minuciosamente as idas e vindas do grupo, por ar e terra, atrás das crianças. O título, Os Cavaleiros Brancos, os jalecos médicos, tudo desenha para o público uma cruzada humanitária, mas aí a evolução da trama – e o desfecho aberto ou inconclusivo – subverte o conceito. São humanistas ou a nova face do velho colonialismo?

Pode-se até entender o interesse de um autor como Lafosse pelo tema. Pegando carona no Tarzan de David Yates, ainda em cartaz nos cinemas, vale destacar que a Bélgica, como potência colonial, escreveu algumas das páginas mais sangrentas da colonização europeia na África. O rei Leopoldo ficou registrado para a posteridade como um monstro, o que não o impediu, em seu tempo, de ser saudado como um exemplo de humanismo. Vincent Lindon, por suas escolhas, tem se firmado como um raro artista engajado de ‘esquerda’ nessa França em que avança a xenofobia (alimentada por todas as explosões de violência que você sabe). A questão é – qual é exatamente a crítica que Lafosse e ele estão formulando?

Contra os governos europeus? Os rebeldes, os chefes tribais? As forças de paz, que não parecem muito pacíficas? O relato tem uma urgência jornalística que parece documentária. No fim, cabe ao espectador juntar todas essas pontas para (tentar) fechar o relato. Os Cavaleiros Brancos não facilita a vida de ninguém. Retrata o mundo como é, desconfiando de tudo e todos. Nesse quadro, Lindon, mais que heroico, é estoico. O filme fascina tanto quanto desconcerta. É sua audácia, e seu limite.

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