Diretor Bryan Singer fala sobre Superman - O Retorno

Superman - o Retorno estréia na sexta-feira com o herói no centro de um triângulo amoroso. Diretor revela semelhanças que partilha com o personagem

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Por Agencia Estado
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Filho adotivo, Bryan Singer foi também um garoto judeu criado numa comunidade católica. Daí que ele sempre teve o sentimento de ser um tanto deslocado no mundo. "Quando garoto, havia esta família que morava na casa ao lado e também tinha um filho adotivo, mais uma filha natural; ingenuamente, eu achava que todas as famílias tinham filhos adotivos." Ele não chegava a se sentir propriamente diferente, nem incomodado, mas é significativo que seus heróis preferidos, daquela época, fossem Superman e Luke Skywalker, da série Star Wars. E Singer, curiosamente, não gostava de quadrinhos. "Não era fã nem tinha muita curiosidade." Tanto isso é verdade que, ao ser contratado para fazer X-Men, ele praticamente não sabia nada sobre os personagens. "Minha primeira providência foi ler os comics e tudo, ou quase tudo, o que se havia escrito sobre eles." Foram três encontros com o diretor de Superman - O Retorno, na Cidade do México. Uma coletiva, uma round table, com cinco jornalistas da América Latina, e a "one a one", a exclusiva, a única, apressou-se a dizer a assessora de imprensa de Singer, que ele concedeu, até agora, em todo o tour promocional do filme que estréia na sexta-feira. Eram para ser apenas 10 minutos, que foram sendo prorrogados. Cada vez que a assessora entrava na sala para adverti-lo do tempo, ele a dispensava com o sinal de que estava tudo bem. Há tempos Singer vive fora do armário, mas isso não interfere em nada no filme nem na natureza do herói que ele filmou. Seu Superman não é gay, por maior que seja sua idealização da mulher amada (com a qual teve intercurso é bom lembrar). Seria sensacionalismo insistir no assunto, embora a opção do diretor pelo melodrama e a euforia com que o colega de Clark Kent o recebe, no jornal, possam parecer surpreendentes num filme do gênero. Superman - O Retorno estreou arrebentando nas bilheterias dos EUA, mas fez, mesmo assim, um milhão de dólares a menos que as otimistas previsões da Legendary Pictures e da Warner. A dúvida sobre se ele será o filme do verão nos EUA liga-se ao fato de que Piratas do Caribe 2 - O Baú da Morte, com Johnny Depp (que chega aqui na próxima sexta-feira, dia 21), estreou lá de forma mais retumbante, ainda. Leia trechos da entrevista: Você ia realizar "X-Men 3" quando Superman surgiu em sua vida. Foi muito difícil trocar de franquia? Na verdade, eu não saí de X-Men 3 para Superman. Já havia desistido da terceira parte e trabalhava num projeto que me interessava muito, mas que agora acho que vou só produzir - o remake de Logan?s Run, de Michael Anderson (que, no Brasil, se chamou Fuga do Século 23). A Warner há tempos trabalhava com a idéia de promover um retorno ao Superman. Foi quando tive um encontro com Richard Donner, que fez a versão de 1978, em Austin no Texas. Participávamos de um evento e eu lhe disse que adoraria fazer Superman. Ele quis saber qual seria meu foco. Eu lhe disse que teria de ser um filme de retorno, porque uma geração inteira se passara sem que houvessem filmes do Superman no cinema. E também disse que gostaria de colocar muito drama na história, porque o público jovem só conhecia o Superman teen de Smalville, na TV. Não seria só um filme de ação. Richard deu todo apoio para que eu fosse escolhido. E ele viu o filme pronto? Gostou? Depois da première, Dick me deu um grande abraço e me disse uma frase que não posso repetir. É muito íntima e eu só posso dizer que foi gratificante. Superman se inscreve numa tendência do seu cinema, que é sempre abordar personagens de dupla face. Num filme de Bryan Singer, mesmo o herói não é o mocinho imaculado. Ele carrega sempre uma ambivalência. É o que torna o cinema fascinante, não? Não queria fazer só mais um filme de verão, cheio de barulho e explosões. Queria fazer um filme de personagens e, para isso, não poderia ficar preso a um enfoque unidimensional. O mundo mudou, ficou mais complexo nestes quase 30 anos que se passaram, desde o Superman de 78. E eu sou adotado. Sempre tive uma identificação com Superman, que foi o herói da minha infância e adolescência. Queria dar-lhe um contexto, queria criar o pathos do Superman. Você fala muito abertamente da sua condição de adotado. É um assunto quase sempre tabu, porque, na maioria das vezes, as pessoas, até inconscientemente, fazem uma distinção entre filhos naturais e adotivos, como se os segundos fossem filhos de segunda classe. Quando garoto, havia esta família que morava na casa ao lado e também tinha um filho adotivo, além de uma filha natural. Eu achava que todas as famílias tinham, ou deviam ter, filhos adotivos. Fui criado com muito amor, o que despertou em mim um sentimento - filhos naturais, você pode ter sem querer, por acaso; filhos adotivos você tem de querer. Mas existe, sim, uma sutil distinção que as pessoas, de maneira geral, terminam por estabelecer. Os heróis que filmo são super, claro, mas têm esse lado vulnerável do qual me sinto próximo. São deslocados, solitários. A minha frase favorita no filme de Dick é quando Marlon Brando põe Kal-El no berço espacial e a mãe diz, num lamento, que ele vai ser sempre um solitário. Brando pega o cristal, coloca no berço e diz que o garoto nunca será solitário Estarão sempre juntos, conectados pelo cristal. É uma coisa que me emociona tanto que não resisti e me apropriei dela, no desfecho de Superman - O Retorno. Quando você disse que seu Superman teria um filho, o estúdio não tentou demovê-lo da idéia? Afinal, Superman é um herói de 70 anos e nunca teve filhos. É uma mudança e tanto no conceito do personagem. Ninguém interferiu no meu trabalho nem tentou mudar o que eu havia planejado. Tive absoluta liberdade, absoluto controle sobre todo o processo, desde o roteiro até a edição final. Você tem 40 anos, mas tem essa cara de garoto, de 30. Como o Kid conseguiu essa liberdade em Hollywood? Acredite - foi uma sucessão muito natural de eventos. Meu primeiro filme, Linha Direta, foi muito bem acolhido em Sundance. Pelo segundo, Os Suspeitos, ganhei dois Oscars, melhor roteiro e ator coadjuvante (para Kevin Spacey), o que despertou o desejo de muita gente de trabalhar comigo. O terceiro, O Aprendiz, não teve uma crítica muito favorável, mas foi bem de público e me deu muito dinheiro. Quando cheguei ao primeiro X-Men, defini o que queria fazer, mas aí houve esse encontro com um executivo do estúdio, durante o qual ele tentou definir o que seria o meu trabalho e a responsabilidade do estúdio. Disse-lhe que tinha dinheiro no banco, não precisava daquilo e, até logo, obrigado, levantei-me para ir embora. Ele então mudou o discurso e eu senti, naquele momento, que havia ganho uma batalha. X-Men 1 e 2 fizeram muito sucesso e ainda houve a série House, na TV, que virou um fenômeno nos EUA. Tudo isso me garante essa liberdade, mas ela também tem seus inconvenientes. No caso de Superman, por exemplo, tive sempre de decidir sobre tudo sozinho. Não recebi um só memorando do estúdio. Conversava com minha equipe, por certo, mas as decisões eram sempre minhas. Após um dia extenuante de trabalho, ia para casa sabendo que, no dia seguinte, haveria mais e mais decisões. O sentimento de solidão muitas vezes era devastador. E você nunca buscou a ajuda de um especialista? Nunca fez análise? Você diz psicanálise? Tentei, mas não deu certo. Prefiro me analisar em conversas como essa que estamos tendo aqui, agora. Pode ser delírio meu, mas faço uma ponte entre o seu filme e O Destino do Poseidon, de Ronald Neame, de 1972. Aquele filme discute o conceito cristão da assunção, por meio do grupo que sobe por dentro do navio emborcado, sob a liderança do padre. A ascese termina quando eles chegam ao topo e existe ali o aço, como limite intransponível. O ateísmo do diretor o leva a propor uma solução humanista - é a mão do homem, do exterior, que salva aqueles personagens. Você, de certa maneira, inverte isso. Quando Lois, o marido e o filho ficam presos no navio, eles batem desesperados no vidro e nós os vemos ir a fundo. É Superman quem os resgata, com seus superpoderes. Me parece que você busca sempre uma paráfrase bíblica, identificando Superman ora com o Pai, ora com o Filho, como Deus e o Cristo. É interessante, mas interpretar os super-heróis do ponto de vista da religião e da teologia não é uma coisa nova. Existe até um livro, The Gospel According to the Superheroes. Falemos do velho Poseidon. Foi um filme que me marcou muito. Era criança e viajava com meus pais quando fomos vê-lo. Quando percebi que a personagem de Shelley Winters ia morrer, aquilo me deixou muito agitado. Foi minha primeira experiência com a morte acho eu. Meu pai percebeu e me propôs que fôssemos comprar pipoca. Perguntou se eu queria ficar com ele no lobby, comendo nossas pipocas. Foi o que fizemos e eu só vi o filme completo anos depois. É preciso somar a isso outra impressão. Em outra viagem, um amigo e eu contratamos um minissubmarino. À medida que descíamos, eu sentia o esmagamento daquelas toneladas de água. Foi de novo um sentimento de morte. Quando escrevi o roteiro, a soma das duas experiências, uma de forma consciente, a outra talvez mais inconsciente, terminaram por se integrar nessa cena específica. Sempre existiu o segredo da dupla personalidade de Clark Kent/Superman, mas o seu herói parece possuir mais segredos. Toda aquela cena em que Clark, na redação do jornal, vê a subida de Lois pelo elevador, é rica de significados. Um filme é feito sempre três vezes. No roteiro, na filmagem e na edição. Essa cena surgiu no script, mas foi sendo aperfeiçoada porque sempre achei que era uma das mais importantes na estrutura dramática do filme. É o momento em que Lois e Clark/Superman começam a compartilhar seus pequenos segredos. Ele sabe que ela está subindo para o terraço sob uma profunda comoção. Sabe que ela vai fumar. O encontro com Clark antecipa o de Lois com o Superman, quando surge a cobrança por aqueles cinco anos de afastamento, durante os quais ela ficou sozinha e reconstruiu a vida. Mais tarde, quase como um contraponto, Superman vai usar de novo a supervisão para ver a família no interior da casa. Não quero parecer pretensioso, mas esse é um filme de personagens, mais do que um filme de ação. Foi pensado e desenvolvido para ser assim. Você gravou inteiramente o filme em digital. Por que? Inicialmente, a idéia era fazer Superman em película, em 35 mm. Mas eu queria uma imagem de 70 mm. Na hora de fazer o teste com Brandon Routh, que interpreta Superman, usamos película, mas, por diversão, eu estava com uma minicâmera e gravei também em digital. Mais tarde, olhando as duas imagens com o diretor de fotografia percebemos que o digital fornecia uma qualidade muito próxima à dos 70 mm que eu tanto queria. George Lucas já havia feito Star Wars 3 com uma supercâmera em digital, que ele usou para partes do filme, apenas. Eu resolvi usar para toda a duração da filmagem. Tivemos, portanto, uma gravação. Não me arrependo. Concordo, integralmente, quando dizem que o futuro do cinema é o digital. Isso poderá trazer toda uma revolução no método de fazer e exibir cinema, mas eu acho que o grande, o maior desafio, será sempre a questão do conteúdo. A serviço de que estamos colocando nossa tecnologia? Que tipo de histórias queremos criar? A história, portanto, é o principal. A história e os personagens. Quem são seus mestres? Gosto muito de Superman - O Filme. Usei elementos daquele filme e de Superman 2, também de Richard Donner, para construir o meu Retorno. Se trata de uma seqüência, é do primeiro filme, que é muito bem narrado, em suas três partes. A primeira tem uma majestade bíblica, a segunda é a mais pura ?americana? e a terceira fornece a ação galopante. E o tema do amor já é essencial. Superman pára o tempo para tentar salvar Lois. Dito isso, minhas preferências não são originais. Gosto de Steven Spielberg, de George Lucas, de James Cameron, de Akira Kurosawa. Eles criam histórias, rompem as barreiras da técnica, mas, no final, o que fica são com seus personagens. O cinema, para mim, é a arte de criar personagens. Podem, ser gente como a gente, como em Os Suspeitos, podem ser maiores que a vida, como em X-Men e Superman. O que nos liga ao que vemos na tela é a densidade dos personagens. Você era esperado no Brasil. Cancelou a viagem à última hora e, por isso, estamos agora, aqui, conversando no México. O que você vai fazer, a seguir? Vou tirar férias. Preciso parar um pouco. Gosto da minha casa, dos meus amigos e tenho cada vez menos tempo para eles. Mas você pode esperar - minha próxima meta é conhecer mais a América Latina. Você pediu, há pouco, em espanhol, que fechassem a porta Aprendeu a falar algumas palavras só por causa dessa viagem? (Em espanhol.) Oh não. Aprendi a falar a língua há muitos anos, num acampamento. Não pratico muito, mas falo sem dificuldade. Acho a cultura latino-americana muito diferente da nossa, mas rica e fascinante. Vivemos numa época em que, nos EUA existe uma desconfiança muito grande em relação ao estrangeiro. Acho que isso só favorece a discriminação. Pegue o Superman. Ele é o emigrante definitivo. E faz parte das nossas vidas. Uma última pergunta. Você viu X-Men 3? Vi e gostei, Brett (o diretor Ratner) fez um trabalho muito bom. E era difícil, com todos aqueles personagens que eu havia criado e mais os que ele introduziu. Brett é um amigo. Sabe muito mais do que eu sobre quadrinhos. E é um cinéfilo. Ele encheu o filme de referências. Não faria X-Men 3 daquele jeito, mas Brett me surpreendeu. Cinema e quadrinhos são mídias diferentes. Muitos fãs ficaram irritados porque ele tomou liberdades em relação aos personagens. Foi um risco. O preço de arriscar é criar algo novo e forte e isso Brett conseguiu. O repórter viajou a convite da distribuidora Warner

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