Diretor artístico de Cannes flerta com o Brasil

No Rio, Thierry Frémoux aproveita para se atualizar com as novas tendências do País, mas não garante nada sobre a participação brasileira no festival

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Por Agencia Estado
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Interrogado pelo diretor Murilo Salles, de Nunca Fomos tão Felizes e Faca de Dois Gumes, que queria saber como um festival do porte de Cannes encara a produção cinematográfica brasileira, Thierry Frémoux entendeu que era uma cobrança e disparou: "Cannes é, acima de tudo, o território da injustiça, do arbitrário." Como diretor artístico do festival, cargo que começou a exercer no ano passado, o diretor do Instituto Lumière, famosa instituição de cinema de Lyon, presidida pelo cineasta Bertrand Tavernier, é responsável pela seleção dos filmes que concorrem à Palma de Ouro e são projetados nas mostras paralelas. "Este ano vi cerca de 500 filmes; disse não 450 vezes e sim apenas 50", resume Frémoux. Ele esteve no Rio para participar, como painelista, numa mesa sobre políticas internacionais de fomento ao cinema, no quadro da 11.ª Mostra Curta Cinema, que terminou no domingo. Disse coisas interessantes sobre a produção francesa e sua resistência à hegemonia de Hollywood: a França vendeu 108 milhões de ingressos no ano passado; 50% deles foram de filmes nacionais, o que indica uma disputa equilibrada do mercado. No Brasil, os números são catastróficos. A participação brasileira no próprio mercado não chega a 10% e os 90% restantes, teoricamente ocupados pela produção estrangeira, na verdade são quase uma exclusividade da produção hollywoodiana. Por mais coisas que Frémoux tivesse a dizer sobre o mercado, o que todo mundo queria saber dele é quando o Brasil voltará a brilhar na Croisette. Frémoux falou coisas gerais, nada conclusivo. Fez, quase como confidência, uma revelação exclusiva ao repórter. O Instituto Lumière, por meio de sua coleção Actes du Sud, publica finalmente nos próximos meses o livro sobre o cineasta brasileiro de carreira internacional Alberto Cavalcanti. E, no ano que vem, o livro será publicado no Brasil pela Mostra BR de Cinema - Mostra Internacional de Cinema São Paulo, a partir de um acerto que já foi feito com Leon Cakoff. A mostra também quer promover uma grande retrospectiva dedicada a Cavalcanti. Os direitos dos filmes estão de posse da diretora pernambucana Tarciana Portella, que ainda busca recursos para o seu megaprojeto sobre o diretor, que inclui documentário, CD-ROM e um site. Frémoux disse que hoje o foco, não só de Cannes, mas de todos os grandes festivais, está nas cinematografias asiáticas. O Irã também continua sendo a menina dos olhos dos diretores artísticos de Cannes, Berlim e Veneza. Mas Frémoux lembrou que o cinema brasileiro já teve sua vez em Cannes, nos anos 60 e 70, com a geração do Cinema Novo. Ele não acha boa essa fórmula: dez anos de hegemonia brasileira, iraniana, asiática, seja lá que cinematografia for. Gostaria que as coisas fossem mais mescladas e Cannes celebrasse mais filmes latinos e, dentro dele, brasileiros todos anos. Só que isso depende da oferta de cada cinematografia. "Seleciono filmes, não autores ou países." De qualquer maneira, ele admite que a escolha é subjetiva, daí a polêmica (mas realista) afirmação inicial, de que Cannes celebra e impõe a injustiça. Começa com a escolha dele, depois a do júri. Por mais importantes que sejam Cannes como vitrine do cinema mundial e a Palma de Ouro como reconhecimento da qualidade artística de um filme, nenhuma produção vencedora do prêmio pode ser considerada a melhor, segundo critérios absolutos. Toda premiação é sempre resultado de um conjunto de fatores. No Rio, ao mesmo tempo que participava da mostra de curtas, ele teve oportunidade de manter contatos e até de assistir a possíveis concorrentes brasileiros em Cannes-2002. Foi depois para Buenos Aires, para o mesmo tipo de embaixada: fazer contatos, ver filmes. Sua atividade forte ocorre entre fevereiro e abril, depois da seleção de Berlim e até o anúncio da seleção de Cannes, que será em 15 de abril próximo. "No anúncio da seleção deste ano, trabalhei até o último momento." Comerciante - Como diretor artístico do maior festival do mundo, ele expressa opiniões que podem animar discussões. Às vezes, parece um comerciante falando. Acha que o sucesso na França de filmes como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, de Jean-Paul Jeunet - que será distribuído no Brasil pela Lumière -, e A Fraternidade do Lobo, de Christopher Gans, com suas cenas de kung fu, ajuda a viabilizar a produção francesa, com base na porcentagem sobre o ingresso vendido. Defende as co-produções com a TV, mesmo achando que podem, eventualmente, atrapalhar. "Se um filme é todo financiado pela televisão, o diretor não precisa se preocupar com o retorno na bilheteria e, conseqüentemente, com o gosto do público." Frémoux considera fundamental esse diálogo do artista com a platéia. Não acredita que exista uma divisão radical entre cinema comercial e de arte. Acha que um grande autor como Stanley Kubrick trafegava na fronteira entre ambos. Ama os velhos - Manoel de Oliveira, Shohei Imamura, Ermanno Olmi -, mas insiste que não foram selecionados para Cannes 2001 pelos nomes, mas porque "seus filmes são belíssimos". Em 2002, o Festival de Cannes completa 55 anos. Para assinalar a data, ele vai editar um livro sobre o tratamento que a imprensa deu e ainda dá ao festival. Vai ter coisas curiosas, engraçadas. "Todo ano é a mesma choradeira", diz. "Sempre há jornalistas que dizem que a seleção foi ruim, os prêmios absurdos." Cita como exemplo a reação de um crítico e jornalista francês em 1960: ele disse que a seleção italiana naquele ano era particularmente vergonhosa e desonrava o festival. Só para lembrar: foi o ano em que Federico Fellini ganhou a Palma de Ouro com A Doce Vida e o prêmio especial foi para A Aventura, de Michelangelo Antonioni, dois marcos do cinema moderno. "Os críticos franceses, por serem de casa, tendem a esnobar Cannes; os estrangeiros são mais generosos." Por isso mesmo, promete garimpar na imprensa brasileira pérolas para enriquecer o livro. E finaliza dizendo que a convivência com o ex-diretor artístico, hoje presidente do festival, Gilles Jacob tem sido muito boa. "Todo mundo dizia que ele ia interferir no meu trabalho, ia tornar minha vida impossível; Gilles tem idéias muito parecidas com as minhas; está sendo uma convivência tranqüila."

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