PUBLICIDADE

"Deus e o Diabo" volta em cópia restaurada

Filme de Glauber Rocha é o primeiro de uma série que a Riofilmes pretende restaurar digitalmente para lançamentos em vídeo e DVD, no País e no exterior, incluindo obras de Leon Hirszman, Davi Neves e Luiz Sérgio Person

Por Agencia Estado
Atualização:

O principal empecilho para a divulgação da obra de Glauber Rocha pelo mundo afora começou a se resolver esta semana. Na quarta-feira, a primeira cópia de Deus e o Diabo na Terra do Sol, restaurada digitalmente, foi exibida para um grupo de amigos e parentes do cineasta, no Museu da República, no Rio. A restauração é a primeira de uma série que a Riofilmes, distribuidora de cinema da prefeitura do Rio, pretende financiar em parceria com os estúdios Mega Finish e Rob Filmes e a distribuidora Versátil, para lançamento em DVD e VHS, no País e no exterior. As fitas devem chegar às lojas até o fim do ano. "Sempre houve demanda de cópias dos filmes do Cinema Novo da parte de escolas de cinema e festivais no Brasil e no exterior que querem exibi-los. Então, resolvemos lançar esses títulos como manda o figurino, em DVD e VHS, com restauração digital, extras, entrevistas e legendas em várias línguas. Glauber é o primeiro porque a negociação com os herdeiros foi a mais fácil", conta o diretor-presidente da Riofilmes, Arnaldo Carrilho, que foi amigo pessoal do cineasta. "No início dos anos 70, quando apareceu o VHS, o Glauber chamou a atenção para esse o veículo que surgia. Ele era muito ligado em novas tecnologias e lançar seus filmes nesses suportes honra sua memória." A minúscula sala do Museu da República foi pequena para tanta emoção de quem conviveu com o cineasta e viu sua obra-prima ressurgir na tela tal como ele a imaginara. Ao chegar, a mãe dele, Lúcia Rocha, que há anos preserva seu acervo no centro cultural Tempo Glauber, abraçou Carrilho com os olhos marejados e agradeceu a iniciativa, enquanto Paloma Rocha, a filha, só conseguiu anunciar que a partir dessa cópia digital poderão ser feitas outras em 35 milímetros, o suporte habitual das salas de exibição. O restaurador Fábio Fraccarolli, que coordenou a transcrição para vídeo do filme junto com Ely Silva, explicou que o sistema usado, o Revival, só existe em 12 estúdios, pois é uma tecnologia muito recente. "Na América Latina, só nós temos. O trabalho consiste em telecinar a melhor cópia da Cinemateca Brasileira, guardiã dos filmes de Glauber, e retirar as avariações trazidas pelo tempo e, principalmente, restaurar a luz e o som luz originais", contou ele. "Foi um trabalho de um mês e meio, só possível com a colaboração de Waldemar Lima, o diretor de fotografia de Deus e o Diabo. É nossa primeira experiência e servirá para outros filmes." Lima revelou que, com essa restauração, finalmente o filme terá a fotografia imaginada por Glauber, que queria uma textura como a das xilogravuras dos folhetos de literatura de cordel. "Isso não aconteceu nem na época do lançamento porque, quando fomos tirar as cópias para exibição, havia a confusão do golpe militar e não pudemos acompanhar o trabalho", lembrou, sem esconder a emoção do resultado. "Essa fotografia está de acordo com temática do filme e atende o desejo de Glauber." Apesar de o equipamento do Museu da República ter apresentado problemas, Deus e o Diabo aparece em DVD com a grandiosidade que fez dele o filme brasileiro mais comentado em todo o mundo. As imagens que levaram uma geração de brasileiros a fazer cinema e a música de Villa-Lobos e Sérgio Ricardo inundaram a sala e provocaram aplausos. "Parece até que o Glauber se chamava Deus e o Diabo, de tanto que as pessoas falam desse filme", brincou Lúcia Rocha, confessando que, por seu gosto pessoal, Barravento abriria a série, por ser o primeiro título do cineasta, quando ele tinha 18 anos. Ela adiantou que Neville de Almeida realiza um documentário sobre o Tempo Glauber, seu projeto desde a morte do filho, há 20 anos. "Fiz tudo sozinha porque o poder público não ajudou. A negociação para a restauração começou a dois anos, ainda com José Carlos Avellar na Riofilmes. É justo eles realizarem essa tarefa." Carrilho defendeu a restauração digital e a distribuição em vídeo (DVD ou VHS) lembrando que o cinema brasileiro ocupa espaço ínfimo nas salas brasileiras. "No último ano, 98% do cinemas exibiram os arrasa-quarteirões americanos e os outros 2% ficaram para os filmes menos famosos dos Estados Unidos e de outras cinematografias", enumerou. "Sobrou para nós uma poeira e, além disso, o público de cinema retraiu, enquanto o de vídeo cresceu. Hoje qualquer comunidade pobre ou cidadezinha do interior tem sua locadora." Ele anunciou que ainda este ano começa a restauração de Terra em Transe, o segundo filme mais famoso de Glauber e ainda pretende lançar os outros (são 16 ou 18, conforme a forma de contar), a obra de Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Davi Neves, Roberto Santos e Luiz Sérgio Person (atualmente em retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo), além de documentários lendários como Arraial do Cabo e Maioria Absoluta e produções recentes nesse gênero, que não encontra espaço no circuito comercial. A Riofilmes entrou com R$ 70 mil no projeto, que teve ainda financiamento da distribuidora de Glauber, a Versátil, e um belo desconto da Mega e da Rob, que se lançam nesse mercado. "Eu vou contra a corrente que privilegia a exibição em película, em detrimento do vídeo", comentou Carrilho. "Hoje, com a redução do tamanho das telas de cinema e o agigantamento dos home theaters, além da rápida evolução digital, não faz mais sentido esse tipo de divisão."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.