Deus abençoa os filmes da terra do sol

Deus É Brasileiro e Cidade de Deus apresentam o céu e o inferno do Brasil, mas ambos caíram no gosto popular, que, segundo o ditado, representa a voz de Deus

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Por Agencia Estado
Atualização:

Não se sabe ainda onde poderá chegar Deus É Brasileiro em termos de bilheteria. O que se sabe é que já está se transformando em novo sucesso de público. Em mais um daqueles raros filmes que "todo mundo" vê. Tudo isso acontece pouco tempo depois da ocorrência de outro sucesso, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, que, tendo obtido o maior público da fase conhecida como "retomada", acaba de ser excluído do Oscar. Cidade de Deus é um fenômeno talvez irrepetível, que levou mais de 3 milhões de pessoas aos cinemas. Deus É Brasileiro não deve alcançá-lo, mas pode chegar perto. O que os dois têm em comum, afora o fato de O citarem no título? Bem pouco, em aparência. Um, escancara a violência urbana com franqueza poucas vezes vista no cinema nacional. Outro, realiza uma fábula rural amorosa, no qual um Criador imperfeito e mal-humorado acaba por se reconciliar com as também imperfeitas criaturas talhadas à sua imagem. Ao saírem de Cidade de Deus os espectadores podem pensar que talvez seja mais prudente mudar de país. Ao saírem de Deus É Brasileiro, os mesmos espectadores podem concluir que, afinal de contas, não existe mesmo lugar melhor no mundo para morar. Nenhum dos dois filmes mente nem engana ninguém. Pelo contrário: são dois dos mais verdadeiros e sinceros trabalhos do cinema contemporâneo. Não soa estranho que dois antípodas atraiam da mesma forma a atenção do público? Não necessariamente. Talvez eles se complementem, de alguma forma ainda pouco clara. Cidade de Deus usa linguagem de entretenimento para falar daquilo que existe de mais sério - a falência da estrutura social à moda da casa. Deus É Brasileiro opta por uma linguagem mais sóbria, mas de visual deslumbrante, para promover uma alegre e crítica redescoberta do País. No filme de Cacá Diegues há cenas deslumbrantes, nas quais um Deus vaidoso, satisfeito com o que vê, se auto-elogia sem constrangimento. Se Ele descesse à Terra e pousasse no ambiente de Cidade de Deus talvez não ficasse tão orgulhoso de sua obra. E, pensando agora na cara de Antonio Fagundes, que O interpreta no filme de Cacá, ficaria irritado com o fato de seu santo nome ter sido emprestado a ambiente tão hostil. O fato é que o público que, segundo o ditado, representa a voz divina (vox Populi, vox Dei), demonstrou que pode amar os dois filmes. Por que será? Uma hipótese: talvez tenhamos chegado àquele estágio de maturidade no qual a consciência da carência não precisa se opor à esperança e ao afeto pelo País. Daí talvez porque Cidade de Deus e Deus É Brasileiro possam conviver tão democraticamente nessa entidade problemática chamada preferência popular.

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