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"Depois da Vida" lança luz sobre a existência

O cineasta japonês Hirokazu Kore-eda empreende uma investigação filosófica sobre os mistérios da vida e da morte

Por Agencia Estado
Atualização:

Admirador, na verdade tiete, do cineasta japonês Hirokazu Kore-eda, Walter Salles considera a luz de Maborosi uma das experiências sublimes proporcionadas pelo cinema nos anos 1990. O entusiasmo de Waltinho é compartilhado por seu diretor de fotografia, Walter Carvalho. Os dois chegaram a cunhar um código secreto que agora está sendo tornado público. Quando Walter ou Waltinho dizem, no set, "É maborósico", querem dizer que atingiram algo muito especial na rodagem de uma cena. Há um mistério da luz no cinema de Hirokazu Kore-eda. Mas a luz, sozinha, não faz a grandeza de seus filmes e, menos ainda, a de Depois da Vida, que estréia nesta sexta-feira. O título já dá a chave do que o público vai ver. Se é depois da vida, só pode ser a morte. Mas, se filma a morte, é porque Kore-eda quer decifrar, melhor seria dizer iluminar, o significado da vida. Prepare-se para uma rara emoção. Começa com a câmera ao nível do chão, acompanhando dois homens que sobem uma escadaria. A imagem mostra só os pés deles - como Alfred Hitchcock fazia na abertura de Pacto Sinistro. O diálogo contém informações sobre outra pessoa - uma terceira - que só pensaria em sexo. Logo em seguida os homens entram numa sala e aí o espectador os vê. São burocratas, num escritório meio velho. É aí, por uma porta, na verdade um foco de luz - o fim de um túnel, quem sabe -, que começam a chegar as pessoas. A primeira dessas pessoas a falar já esclarece que acaba de morrer. Está ali, numa estação intermediária, para escolher, entre todos os momentos de sua vida, aquele que vai carregar pela eternidade. É assim que decola Depois da Vida. Decola é bem o termo, pois logo o espectador está embarcando numa viagem que o leva a um dos mais altos vôos que o cinema poderá proporcionar nesta temporada. Durante boa parte de Depois da Vida, principalmente na primeira metade do filme, pessoas falam diretamente para a câmera. Não há nada além delas, nenhuma visualização do que dizem. Só o rosto e a voz dos atores, transmitindo a emoção. Você é capaz de imaginar-se vendo um documentário, tal o grau de sinceridade do que dizem essas pessoas. Na verdade, são personagens e aquilo tudo faz parte de uma representação, embora as coisas não sejam assim tão simples. Kore-eda recorre a atores não-profissionais para compor alguns desses personagens. Deixou-os improvisar diante da câmera. Sua ficção, portanto, tem um quê de documentário. E ele conseguiu o que parecia impossível. Individualiza o juízo final, fazendo com que cada personagem, ao fazer o inventário de sua vida, decifre o mistério da própria existência. Hollywood, por meio do cinema de ação, banaliza a morte. Diretores como Ingmar Bergman (em Gritos e Sussurros, principalmente) falam sobre o significado profundo dessa experiência radical. Kore-eda conta como Depois da Vida é impregnado de filosofia budista. Os japoneses acreditam que os mortos permanecem na Terra por sete dias, antes de ir para o céu. Dão um nome a isso - chamam de shonanoku. Os mortos do filme devem escolher um momento para guardar na lembrança. O rito de passagem para a morte repousa sobre esse princípio. Os momentos que eles escolhem são filmados. Kore-eda fez um filme sobre a vida e a morte. E sobre o cinema. Não se pode esquecer que Wim Wenders, filmando a agonia de Nicholas Ray, vítima de câncer, em Nick´s Movie, já havia mostrado o cinema como veículo de vida e morte. De vida porque permite às pessoas e objetos continuarem existindo como imagem. De morte, porque na imagem congelada no tempo está a negação da existência. Depois da Vida é obra de um grande artista, um filósofo do cinema. Serviço - Depois da Vida (After Life). Drama. Direção de Hirokazu Kore-eda. Jap/98. Duração: 118 minutos. Sala UOL, em São Paulo, às 17h30, 19h40 e 21h50. Unibanco Arteplex 4, em São Paulo, às 14h20, 16h40, 19h, 21h20. 14 anos.

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