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Deneuve abre mão do charme para viver operária

Conhecida como a deusa do glamour, conta que teve dúvidas se seria capaz de interpretar sem maquiagem, com lenço na cabeça, em Dançando no Escuro

Por Agencia Estado
Atualização:

Escrever para um cineasta foi situação nunca antes experimentada por Catherine Deneuve. Mas, há dois anos, depois que essa cinéfila contumaz, que passa as tardes livres vendo sessões duplas em cinemas normais (ela adora descobrir filmes olhando as indicações nos jornais), assistiu ao longa Ondas do Destino, do diretor dinamarquês Lars von Trier, diz que foi "obrigada" a mandar-lhe uma notinha. "Fiquei muito tocada ao ver aquele filme e senti um impulso estranho em expressar minha emoção a Lars", conta Catherine. "E Lars retribuiu o bilhete com uma linda carta, na qual falava que iria fazer um musical e se eu tinha interesse em ler o roteiro", lembra. Quase quatro décadas separam Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy, rodado em 1964 e que revelou a atriz internacionalmente, de Dançando no Escuro, filme de Von Trier que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em maio e que estréia hoje nos cinemas de São Paulo. Apesar dessa diferença de tempo, Catherine diz que a sensação de rodar os filmes foi a mesma. "O que mais prezo num roteiro é o elemento surpresa. Isso me faz ficar interessada por um projeto", explica a francesa, que falou com exclusividade à reportagem do Estado depois de um almoço em Nova York. "E a surpresa trazida pelos dois filmes foi a de subversão. Eles estavam querendo reinventar o gênero musical no cinema." Em Dançando no Escuro, que também rendeu um prêmio de interpretação à cantora islandesa Björk (em seu segundo papel no cinema), Catherine interpreta uma operária numa fábrica americana na década de 60. Sua melhor amiga vem a ser a protagonista da história, Selma (Björk), que sofre de uma doença degenerativa nos olhos. Por ser contagiosa, o filho de Selma também está ficando cego e precisa de uma cirurgia delicada, para qual ela vem economizando. Selma e a amiga também ensaiam uma participação numa produção musical mambembe local. Durante os 36 anos que separam os dois musicais, Catherine, que agora está com 57 anos, é categórica em afirmar que nunca tinha sido dirigida por um diretor como Von Trier. "Sou conhecida na França como uma atriz que gosta de trabalhar muito próxima do diretor", explica. "Mas no caso de Lars, nunca tinha experimentado tamanha proximidade", continua. "Assim como Polanski, para citar um exemplo, Lars é um cineasta insólito, pois ele tem uma exata visão do que quer, sendo ela certa ou equivocada." E acrescenta: "Infelizmente, essa qualidade hoje não é vista em muitos diretores. Nem todos sabem o que querem mostrar." Catherine também chama o dinamarquês de "artista subversivo". "Lars é uma pessoa capaz de ser amada por muita gente e também odiada." A alta voltagem que permeia o trabalho de Von Trier e sua obstinada visão provocou um já bem propagandeado estresse entre o diretor e Björk. Catherine revela que, durante as filmagens de Dançando no Escuro, nunca viu um bate-boca explícito que foi parar nos jornais entre os dois. "Björk, pelo contrário, aceitava sempre as ordens dele, dizendo ´sim, sim, sim´ e ´ok, ok´. Bem daquele jeitinho calmo dela", comenta. "O problema da desavença foi sempre a música e as discussões foram travadas longe da gente." Catherine confirma a história do desaparecimento de Björk por três dias do set, depois de uma briga mais exaltada entre atriz e diretor. "Eu não posso dizer que concordo com o comportamento de Björk, de desaparecer assim do set, ainda mais quando o trabalho de inúmeras pessoas dependia do dela", explica a francesa que voou de Paris para Copenhague naquele fim de semana da discórdia, apenas para saber que suas cenas estavam suspensas até a volta da outra estrela. "Mas eu também me abstive de ficar completamente do lado de Lars, pois sabia que ele me diria que estava certo." E continua: "Isso para mim é a mesma coisa que ocorre quando um casal se divorcia e as pessoas ao redor costumam dizer, ´ah, ele está certo, ela errada´. Ninguém sabe o que realmente se passou entre quatro paredes." Apesar da falta de profissionalismo de Björk, Catherine não poupa elogios à cantora. "Conhecia a música e o jeito dela, por isso fiquei intrigada quando Lars disse que Björk faria o papel de Selma", explica. "Já na primeira semana de filmagens, comecei a pensar em como teria sido difícil para mim se estivesse contracenando com outra atriz", prossegue. "Björk é muito tímida, o que ajudou ainda mais o nosso relacionamento, pois fomos descobrindo e nos entrosando melhor durante as cenas musicais em que tivemos muito próximas, tipo de mãos dadas, muito embora isso não apareça na tela." Catherine se identifica com algumas reclamações feitas por Björk sobre Von Trier depois das filmagens de Dançando no Escuro. Para a atriz, o cineasta dinarmarquês tem um estilo idêntico ao de Luis Buñuel, que a dirigiu em um de seus filmes mais famosos, A Bela da Tarde, de 1967. "Os dois detestam trabalhar com atores!", diz ela rindo. "Eles sabem que, por natureza, nós tendemos a proteger nosso trabalho a qualquer custo", acrescenta. "Lars e dom Luis gostam de controlar a emoção de seus atores", diz. "Nos dois casos, eu abri mão de qualquer reserva e me entreguei a eles. É esse o tipo de relação que gosto com meus diretores." Conhecida como a deusa do glamour, Catherine conta que obviamente teve dúvidas se seria capaz de interpretar uma operária sem maquiagem, com lenço na cabeça e de sapato com meia. "Tentei ao máximo ser honesta com a personagem", explica. Indagada sobre a inspiração para a operária, Catherine não titubeia em apontar que veio dela própria. Mas da Catherine doméstica, aquela que ninguém conhece. "Tenho uma casa de campo, a uma hora de Paris, e sou eu mesma quem cuida do jardim, botando a mão na enxada e tirando as ervas daninhas." Direção - Apesar de curiosa em relação a todos os aspectos dos bastidores técnicos de um filme, a atriz confessa que nunca pensou em dirigir. "Se eu tivesse que virar cineasta, tinha de ser nos mesmos moldes de Charles Laughton, que largou um pouco seu trabalho de ator para fazer aquele brilhante O Mensageiro do Diabo (Night of the Hunter) e depois voltou para seu ganha-pão normal." Com mais de 90 filmes em sua carreira, Catherine não gosta de apontar um preferido. E ela nem volta a assisti-los. Só cerca de três anos atrás, quando eles relançaram A Bela da Tarde em Nova York, é que foi rever o filme. "E foi uma experiência surpreendente, pois pude notar um grande senso de humor em minha interpretação", revela. "Sou muito crítica e a primeira visão de um trabalho meu nem sempre é boa. Se vejo um filme que fiz passando na TV, mudo de canal." Catherine acabou de filmar a produção de Hollywood D´Artagnan, dirigida por Peter Hyams. O papel da estrela é inédito. Bem, pelo menos na tela. "Faço a rainha da França!"

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