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Demme faz o casamento de música e cinema

Por Agencia Estado
Atualização:

Nos últimos anos ele tem decepcionado, com filmes como A Bem Amada, um monumento de confusão e tédio feito para celebrar a arte da atriz Oprah Winfrey e que, na verdade, não chegou a lugar nenhum. Mas houve tempo em que Jonathan Demme arrasava. Foi no século passado, no milênio passado, mas não faz tanto tempo assim - afinal, O Silêncio dos Inocentes é do começo dos anos 90. Poucos cineastas conseguiam um resultado tão feliz na combinação de imagens e sons como Demme. Basta pensar em Totalmente Selvagem, ou em Stop Making Sense. Documentário ou filme-concerto, não importa, Stop Making Sense foi feito em 1984. Volta aos cinemas, 17 anos depois, em versão remasterizada. O cuidado com o som é fundamental. Afinal, é um filme sobre música - o tributo de Demme ao cabeça falante David Byrne. Houve grandes filmes sobre concertos de rock. O mais famoso, dirigido por Michael Wadleigh, foi o que celebrou aquele momento de paz e amor que entrou para a história como Woodstock. Logo em seguida, o sonho acabou quando David e Albert Maysles e Charlotte Zwerin dirigiram suas câmeras para os Rolling Stones no célebre concerto de Altamont Speedway. Gimme Shelter ficou como o registro da energética performance de Mike Jagger, quando era um deus, mas o que o espectador retém do filme são as imagens de morte e destruição. O concerto dos Talking Heads em Stop Making Sense, na verdade, foram uma série de três concertos que eles fizeram no Hollywood Pantages Theatre, especialmente para o filme. O diretor Demme e o fotógrafo Jordan Cronenweth radicalizaram. Ignoram o público e dirigem a câmera para o palco, o que faz com que nós, a audiência de Stop Making Sense, tenhamos a sensação de estar lá. Os aplausos que ouvimos são nossos aplausos. Começa com David Byrne sozinho no palco, numa performance elétrica de Psycho Killer. Seguem-se 15 números (são 16, no total), do gospel ao reggae e ao rock político. A cada um deles, um cabeça falante integra-se ao grupo no palco, até que a formação esteja completa. David Byrne é o centro do show, mas quando ele sai de cena, por momentos, o impacto persiste, como na apresentação da baixista Tina Weymouth e do back vocal providenciado pela dupla Edna Holt e Lynn Mobry. Byrne, que depois virou diretor (Histórias Verdadeiras / True Stories), sempre acreditou que a música deve ser interpretada não só como áudio, mas como imagem. Encontrou no jovem Jonathan Demme, ainda na fase de ascensão de sua carreira, o diretor ideal. A parceria dos dois rendeu. Byrne estreou como ator num telefilme de Demme, Survivor Guide, ao lado de Rosanna Arquette, e depois escreveu a música de abertura de Totalmente Selvagem, a salerosa Loco de Amor, cantada em parceria com a cubana Celia Cruz, que anuncia, de forma irônica, o tema transgressor do filme, e ainda compôs a trilha, com tempero brasileiro, de De Caso com a Máfia, todos dirigidos por Demme, quando ainda era bom. Nascido em Long Island e criado na Flórida, Demme foi um típico adolescente dos anos 60. Rock, rebeldia e cinema fizeram sua cabeça. Natureba, ele jura que queria ser vegetariano e acrescenta que nem nos seus sonhos mais loucos sonhava virar diretor de cinema. Começou no campus universitário, como crítico de mural. Integrado à equipe do lendário mestre da produção B, Roger Corman, fez alguns dos filmes mais baratos da história do cinema - um deles, o trash movie Confissões Íntimas de um Presídio Feminino, de 1974, tão infame, que Demme prefere esquecer que o realizou. Sua verdadeira carreira começou com Melvin e Howard, em 1980, ao qual se seguiram Totalmente Selvagem, em 1986, e De Caso com a Máfia, em 1988, quando ele ainda afiava as garras para contar a história de Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes, em 1991. O casamento entre cinema e música ocorreu com Stop Making Sense. O filme é ótimo.

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