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Decepção no Festival de Berlim

Richard Linklater esperava mais que o troféu de direção

Por Luis Carlos Merten
Atualização:

Ao subir ao palco do Palast, sábado à noite, para receber se prêmio de direção por Boyhood, Richard Linklater não parecia muito contente. A ovação nas sessões oficial e de imprensa e o céu de estrelas nos quadros de cotações dos críticos devem ter alimentado sua expectativa e ele, obviamente, esperava mais. É seu segundo Urso de Prata - recebeu outro por Antes do Amanhecer, início de sua parceria na série com Ethan Hawke e Julie Delpy, há quase 20 anos. Até os alemães estão chocados. Havia quatro filmes da Alemanha, todos bons, e o júri internacional deu só um prêmio, o de roteiro, para Kreuzweg - Stations of the Cross, quando a força do filme de Dietrich Bruggemann está na mise-en-scène, construída por meio de elaborados planos sequência. Havia três chineses, e o júri premiou dois. O melhorzinho - No Man's Land, de Ning Hao - foi o que ficou de fora. Eta júri complicado. James Schamus, seu presidente, não tem persona nem currículo para impor respeito. Em Cannes, jamais teria sido presidente - o cargo é emblemático demais para atribuí-lo a qualquer um. De volta a Linklater, ele teve tempo de baixar a poeira. Na coletiva dos vencedores, quando chegou sua vez, estava mais calmo, ou conformado. Disse que era "uma honra" receber o Urso. E tentou minimizar seu mal-estar: "Quando a gente faz um filme, é porque sente necessidade de expressar alguma coisa, não é pensando em prêmios. O cinema não é nem deve ser uma competição. Há espaço para todos". Mas o filme dele é bem dirigido, há que reconhecer. Na série Antes - do Amanhecer, do Por do Sol, do Entardecer -, Linklater acompanhou um casal em três momentos. A cada dez anos, nós, o público, reencontramos Ethan Hawke e Julie Delpy e vivenciamos suas experiências, seus problemas. O tempo, as ligações interessam a Linklater. Em Boyhood, ele radicaliza, filmando um garoto em dois momentos: aos 8 e aos 20 anos, O garoto do começo, filmado em 2002, não é substituído por outro ator. Linklater realmente parou seu filme e esperou por 12 anos. Houve experiências semelhantes em documentários, mesmo que os lapsos de tempo tenham sido, eventualmente, menores. "É uma ideia terrivelmente simples", disse o diretor, num encontro com jornalistas. "Mas não foi fácil de realizar. Os atores (Ethan, Patricia Arquette) se entusiasmaram, mas nenhum investidor queria colocar dinheiro. Um executivo chegou a dizer que seu estúdio não era banco para emprestar a longo prazo. Como ele ia dizer a seus acionistas que esperassem 12 anos para ver se recuperariam o que aplicaram?" Foi um filme feito na guerrilha - sem seguro, na base da confiança dos atores e técnicos. "Tínhamos um roteiro que era como um ponto de partida, para filmar o começo. Depois, durante todo o período em que paramos o projeto, eu conversava regularmente com Ethan, porque, afinal, fiz outros filmes com ele, mas também com Patricia e Ellar (Coltrane, o garoto). Principalmente com Ellar. Queria saber o que estava ocorrendo com ele. O filme é contado do seu ponto de vista e eu sabia que, quando voltássemos, era dele que deveríamos recomeçar." E como é o método de Linklater? "Trabalho sempre com um roteiro de base, mas é importante criar espaço para que os atores improvisem. Era importante que Ellar estabelecesse o padrão. Muitas vezes, Ethan e Patricia o seguiram." E Linklater reflete: "Se penso em meu filme, penso em (François) Truffaut, na sua série autobiográfica com Jean-Pierre Léaud. Truffaut filmou ao longo de décadas, um filme para cada etapa de Antoine Doinel. Não queria repetir a série Antes. Boyhood já nasceu com essa proposta, dois momentos na vida de um garoto, e ambos no mesmo filme. Seu adeus à infância e o início da vida adulta. Estou muito feliz de que minha ideia simples tenha funcionado. Mas sinto que devo isso à cumplicidade do meu elenco, realmente". Boyhood será distribuído no Brasil pela Universal. Ainda não tem data nem título, mas fique atento.

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