"De Arma na Mão" trata da violência

A psicanalista Miriam Chnaiderman dirige novo filme em que pergunta às pessoas que vivem armadas, por que gostam de empunhar armas, qual a sensação que sentem?

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Por Agencia Estado
Atualização:

Seu pai, Boris Chnaiderman, não precisou se exilar nem foi preso político, mas pelo simples fato de ser professor de língua e literatura russas era suspeito usual durante os anos de chumbo da ditadura militar. Qualquer problema e o professor Boris era chamado ao Dops para prestar esclarecimentos. O irmão de Miriam Chnaiderman, sim, foi preso político, daqueles com foto publicada em cartazes de "procurados" pela repressão. Adolescente, Miriam vivia sobressaltada, com medo de policiais e militares que invadiam sua casa, revistavam sua biblioteca. Até por isso, ela diz que é com grande sacrifício pessoal que está rodando seu novo filme, o documentário De Arma na Mão. Miriam já foi a delegacias, a quartéis para entrevistar essas pessoas que, por força do ofício, vivem armadas. Faz sempre, invariavelmente, as mesmas perguntas: por que uma pessoa necessita de armas? Por que gosta de empunhar armas, qual a sensação que sente? Ela precisou vencer a própria resistência, os temores da adolescente que foi e que persistiram na mulher madura em que se transformou, dublê de psicanalista e cineasta, para levar adiante este projeto. Há tempos que Miriam queria investigar esse universo das armas. Decidiu-se quando filmava, no começo do ano, no cemitério da Consolação, o curta-documentário Artesãos da Morte, sobre as pessoas que trabalham com esse negócio ligado ao luto e à morte. Coveiros, floristas, legistas. Miriam entrevistou muita gente para entender como as pessoas lidam, cotidianamente, com essa experiência tão radical do ser humano, que é o confronto com a morte. Queria saber como elas se aparelham para isso, se é que se aparelham. Descobriu que não, que nem sabem direito como suportam essas atividades. Pela necessidade de sobreviver, com certeza. No cemitério, num dia de carnaval, havia pouca gente lá dentro quando Miriam e o marido foram assaltados por um homem que os intimidou, com a arma na mão. O (f)ato, em si mesmo chocante mas banal - faz parte da chamada ´violência urbana´: quantas pessoas já não foram assaltadas desse jeito? -, mexeu duplamente com ela. Como analista, quis entender o que leva uma pessoa a manusear armas, a tentar firmar-se por meio das armas. Como artista, sentiu que era um bom material dramático a ser explorado, até como forma de refletir sobre o País. Miriam gosta de dizer que faz cinema como necessidade de reflexão. Nos filmes anteriores, em Artesãos da Morte, por exemplo, foi, como explica, ao mundo para ver o que o mundo tinha a lhe dizer. Em De Arma na Mão, o movimento é diferente, mais complexo. Miriam, como psicanalista, quer intervir na realidade. Ela possui todo um embasamento teórico que vem das reflexões de Sigmund Freud sobre a pulsão de morte nas pessoas. Partindo daí, tenta investigar os casos em que é flagrante a patologia. Os chamados casos-limites, sejam de policiais ou não-policiais, já que Miriam se recusa a usar a palavra "criminosos". Era para ser um filme curto. Miriam começou a fazê-lo com as cinco latas de revelação de negativo que ganhou como prêmio no Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte, onde Artesãos da Morte foi exibido com boa repercussão de público e de crítica. Ela resolveu filmar em película, em super-16, mas também gravar alguns depoimentos em digital, convencida de que o aparato técnico menor deixa as pessoas mais à vontade, libera-as para falar. Com seu fotógrafo, o jovem Rinaldo Martinucci, a quem não poupa elogios, conseguiu restos de película. E assim vai fazendo o filme. De curta, o documentário passou a média e agora Miriam está convencida de que só um longa poderá dar conta da complexidade do projeto em que se lançou. Mas, para isso, ela precisa de dinheiro. Por enquanto, tem feito De Arma na Mão na cara e na coragem. Mas logo vai necessitar das verbas para a finalização e para o transfer, como se diz hoje em dia (antigamente era kinescopagem). Miriam ainda está inscrevendo De Arma na Mão nas leis de patrocínio, mas já sabe, pelo orçamento feito por Martinucci, que vai precisar de R$ 380 mil para concluir seu filme do jeito que quer. Está entusiasmada com De Arma na Mão. Sabe que seu esforço de entender essa cultura da violência não é solitário. Em Cannes, em maio, o documentarista Michael Moore lançou Bowling for Columbine, que causou impacto pelo vigor com que ataca a poderosa Associação Nacional do Rifle, nos EUA. Miriam vai filmar na periferia de São Paulo, vai levar suas perguntas a rappers e à turma do hip-hop. Ela pode detestar armas, mas vai armada com a câmera. Interessados em investir no projeto podem ligar para o telefone O(--)11-3826-0248 ou então acessar o e-mail chnaid@uol.com.br.

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