David Lynch reinventa Rita Hayworth

A atriz mexicana Laura Harring, ex-miss América, é a estrela de Cidade dos Sonhos que está entre as estréias desta sexta-feira

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Por Agencia Estado
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O nome dela é Laura Elena Harring e tem sido apresentada simplesmente como a nova Rita Hayworth. Da mesma forma que Rita, aliás Margarita Carmen Cansino, também Laura leva sangue latino nas veias. Verdade: Margarita era americana do Bronx, filha de um bailarino espanhol. Já Laura nasceu no México, em Los Mochis, e só cruzou a fronteira para os Estados Unidos com 11 anos. Em 1985, foi eleita Miss America, a primeira da história a ter origem latina. Depois de aposentar o cetro, essa mulher estupenda casou-se com um conde e virou condessa. Passou por alguns filmes menores até ser descoberta por David Lynch e lançada em seu Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive), que participou do Festival de Cannes do ano passado e estréia nesta sexta-feira no Brasil. Lynch é um cineasta da estranheza, gosta de trabalhar com paralelismos, coincidências, personalidades duplas. Qual o nome do personagem que arranjou para Laura? Rita, é claro. Na verdade, ela passa a se chamar Rita depois de ver um pôster de Rita Hayworth num banheiro. Sofreu um acidente, passa por uma crise de amnésia e não se lembra do seu nome verdadeiro. Rita é pseudônimo, um nome de ocasião, nome de guerra, se quiser, mas também uma marca que seguirá a personagem ao longo da história. E a Rita de David Lynch faz sua personagem seguir o padrão ditado pela Rita Hayworth original. Ela transpira sensualidade. E vira a cabeça não só de homens como de mulheres. O diretor busca para seu filme a atmosfera cálida, levemente elétrica, daqueles belos filmes dos anos 40. Encontrou para isso a iluminação adequada, o sentido de mistério - e uma atriz ideal. Num momento, Laura Harring parece a imagem da fragilidade; no seguinte, passa a ser a fêmea poderosa, que pode expressar sua sexualidade sem nenhum freio. Mulher fatal, nata. Esse caráter ambíguo se presta bem a uma história complexa e multifacetada. No princípio, Rita está no banco de trás de um carro e sofre um acidente. Algumas pessoas morrem, ela escapa, mas está ferida, sente-se perseguida e talvez não saiba por quem nem por quê. Abriga-se em uma casa e lá conhece Betty Elms (Naomi Watts), aspirante a atriz que veio a Hollywood tentar a sorte no mundo do cinema. Sentindo o desespero de Rita, Betty decide ajudá-la a descobrir quem é. As duas saem atrás de pistas. Ao mesmo tempo, Betty tenta ser contratada para um papel em um filme. Deverá fazer um teste. Impressiona bem, mas o produtor quer impor outra candidata. São tramas que seguem paralelas: a busca de Rita por sua verdadeira identidade e a tentativa de Betty para transformar-se em atriz. Para surpresa de quem conhece o trabalho de Lynch, há certa linearidade nos movimentos da trama. Claro, pontilhada de estranhezas lá e cá, que ninguém é de ferro mas tudo muito inteligível. O registro só muda para valer quando Rita e Betty descobrem o corpo de uma moça assassinada, Diane Selwyn. Passa então a uma lógica de sonho, em que todas as ligações e inversões são possíveis. Sobretudo as inversões.

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