Da franquia 'Jack Ryan', o episódio 'Operação Sombra' é nostalgia ficcional da briga com a antiga União Soviética

Filme traz de volta às telas o agente da CIA criado por Tom Clancy

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Por Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S. Paulo
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Determinados períodos históricos revelam-se tão propícios à dramaturgia que, mesmo quando deixam de existir na realidade, continuam a sobreviver na ficção. Parece ser o caso da Guerra Fria, a julgar por este Operação Sombra: Jack Ryan, que traz de volta às telas o agente da CIA criado por Tom Clancy (1947-2013).

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O escritor morreu, a Guerra Fria acabou com a dissolução do império soviético em 1991, mas Jack Ryan sobrevive, agora incorporado por Chris Pine. Antes, o herói já fora vivido por Alec Baldwin em Caçada ao Outubro Vermelho (1990), Harrison Ford em Jogos Patrióticos (1992) e Perigo Real e Imediato (1994), e Ben Affleck em A Soma de Todos os Medos (2002). Como se vê, a saga de Jack Ryan merece ser chamada de "franquia", embora tenha sido interrompida um ano após a queda das Torres Gêmeas.

Aliás, essa própria referência ao ataque da Al-Qaeda lembra que, nem por terem vencido o conflito entre superpotências com a União Soviética, os americanos deixaram de participar de conflitos internacionais. O combate ao terrorismo tem fornecido material para bons filmes, embora tendenciosos, e agora os cineastas têm à disposição o caso Snowden para darem asas à imaginação. Por enquanto não exploraram o veio. Enquanto isso, o velho conflito com a Rússia é revivido.

Por que ele deixa saudades? Provavelmente porque, no imaginário dos EUA, que eles supõem universal, a Guerra Fria era imagem de um conflito épico, que poderia ter sido fatal para a humanidade, e no qual, segundo eles, não havia qualquer dificuldade em separar os bons dos maus, os mocinhos dos bandidos. Era um mundo mais simples em seu maniqueísmo, que poderia ter terminado com o holocausto nuclear e aniquilamento da humanidade, mas mesmo assim se mostrava mais nítido que o nebuloso panorama contemporâneo. Daí a nostalgia ficcional da briga com os russos.

Para exumar o personagem de Ryan, convocou-se um nome de grande prestígio artístico: o britânico Kenneth Branagh que, além de dirigir, interpreta o antagonista de Ryan, o vilão da história. Também se deve dizer, desse novo capítulo da franquia, que ela é como o grau zero da história de Jack Ryan, contando como ele veio a se tornar agente da CIA.

No início, ele é apenas um brilhante estudante de finanças, quando testemunha pela TV o ataque ao WTC. Logo o vemos engajado no Afeganistão, tendo seu helicóptero abatido. No centro de recuperação de feridos, conhece a futura namorada, Cathy (Keira Knightley). E ei-lo engajado, por seus méritos, no combate à nova ameaça aos EUA. Ela se personifica no russo Viktor Cherevin (Branagh), um gênio das finanças, com o fígado em pandarecos, que pretende aniquilar o inimigo com um duplo ataque – militar e financeiro.

Bem que Branagh tenta dar alguma dignidade à aventura. Afinal, ele é nome mais facilmente associado a William Shakespeare que a Tom Clancy. Procura dar algum interesse ao próprio personagem, Cheverin, um vilão que é também homme du monde, sedutor de mulheres, intelectual e bebedor inveterado – tem os dias contados por sofrer de cirrose hepática. E, de fato, Cheverin, embora às vezes caricatural, mostra-se mais interessante que o insípido Ryan de Chris Pine.

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Mas nem Branagh consegue fazer milagres, a começar pelo mediano texto de Clancy que, com todo respeito, não era nenhum Flaubert nem mesmo um Le Carré. O material é medíocre, mas, mesmo com má literatura se pode fazer um bom filme, ou até mesmo um grande filme. Hitchcock, aliás, sustentava que era preferível adaptar um mau livro que uma obra-prima.

Acontece que Branagh, embora competente, não é exatamente um Hitchcock. E, além disso, tem de fazer frente a uma exigência crescente do cinema pipoca pelas cenas de ação. Desse modo, seu Jack Ryan terá de se envolver em um sem-número de corridas de carros, invasões de fortalezas tecnológicas, lutas com gigantes russos, com a consequente sequência de explosões, quedas vertiginosas e toneladas de vidros destruídos. Não se faz mais cinema comercial sem esses ingredientes e eles têm de ser distribuídos ao longo da trama de modo a satisfazer o apetite insaciável do público.

Se você relevar tudo isso, o excesso de ação imotivada e a trama rala, poderá ter alguma diversão. Nada mais que isso.

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