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Curtas surpreendem no Cine Ceará

Por Agencia Estado
Atualização:

O Cine Ceará apresenta um bom nível de títulos na disputa em curta e média-metragem, nos suportes de vídeo e película. No entanto, como acontece em qualquer festival do mar de concorrentes destacam-se alguns poucos eleitos. São filmes de bom nível, que ultrapassam o experimentalismo estéril de alguns exemplares desses formatos. No melhor dos casos, aparecem obras realmente consistentes, algumas vezes de maior valor que os da metragem tida como nobre, os longas. Dois documentários abordam artistas plásticos - Brennand, de Liv Donovan, e O Bruxo Bel Borba, de Tuna Espinheira. Ambos tentam recriar os universos simbólicos dos dois artistas, o pernambucano Francisco Brennand e o baiano Bel Borba. Donavan vai ao cerne conceitual do personagem, e tenta resgatar, por meio de imagens e depoimentos, o universo mítico e erótico desse criador singular. Espinheira trabalha numa chave mais convencional, mas nem por isso menos interessante. Se o seu curta-metragem ousa menos, tem o mérito de apresentar, de maneira tão completa quanto permite o formato, um artista praticamente desconhecido fora de seu circuito. Tanto Brennand quanto Borba são artistas fora de série. Um trabalha a cerâmica na dimensão do mítico, da memória acumulada da humanidade, da relação conflituosa do ser com seu corpo, seu destino de ser sexuado e mortal. Outro, opera na intervenção urbana, construindo formas onde ninguém espera, como num paredão à beira de uma grande avenida, por exemplo. Os dois documentários fazem jus aos seus personagens. Outro documentário - Maracatu Fortaleza, de Petrus Cariry -, merece destaque. Didático, mas não no mau sentido do termo, recupera a controversa origem do maracatu cearense, que segundo alguns pesquisadores teria sido "importado" do Recife. Como não havia negros em número suficiente para interpretar os personagens, os brancos pintavam o rosto para substituí-los. Um caso curioso de "black face" nacional. Bem informativo. Entre os curtas de ficção, o melhor até agora apresentado é A Canga, do paraibano Marcus Villar. Baseado em romance do escritor W. J. Solha, fala de uma situação de alta dramaticidade: a família de miseráveis puxando o arado em uma terra esturricada, enquanto o pater familias chicoteia as pessoas como se fossem animais. No meio do trabalho, acontece uma revelação que muda o drama em tragédia. O texto é enxuto, as imagens são impactantes e o bom elenco faz o resto - um dos personagens é vivido por Everaldo Pontes (o São Jerônimo, de Julio Bressane), outro, por Servilho de Hollanda, o cachorro do Vau da Sarapalha. O tirânico patriarca é interpretado pelo próprio Solha, que além de romancista é ótimo ator. No capítulo dramaticidade deve ser lembrado também O Velho, o Mar e o Lago, de Camilo Cavalcanti. Depois do overacting inicial, o personagem encontra seu registro e o filme em bonito preto-e-branco, pode trabalhar seus temas, a solidão, a nostalgia, o naufrágio da velhice. O mais comovente dos curtas apresentado até agora. BMW Vermelho, de Reinaldo Pinheiro, aposta na chave humorística. Mas um humor que traz em si a crítica social ao narrar o que acontece quando uma família de favelados ganha um carro de luxo num concurso. Otávio Augusto está maravilhoso no papel do "felizardo" vencedor. O Cego Estrangeiro, de Marcius Barbieri, é radical em sua originalidade. Nada se vê na tela, a não ser uma narração em língua exótica e legendas. No entanto, funciona. Como filme-piada, aquele que só vale ser visto uma vez, mas funciona.

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