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Cronenberg enfoca a loucura em "Spider"

Mas o diretor esclarece que Spider, que estréia nesta sexta-feira, é mais um drama existencial do que um filme sobre a loucura

Por Agencia Estado
Atualização:

Na entrevista que deu à Agência Estado em 2001, quando houve, em São Paulo, a grande retrospectiva de sua obra no evento intitulado "O Homem-Máquina", David Cronenberg disse que estava trabalhando num "pequeno" filme com Ralph Fiennes. Seu título: "Spider". O pequeno filme estréia nesta quinta-feira na cidade. A primeira grande estréia do ano. Concorreu no Festival de Cannes do ano passado e, desde então, vem sendo aclamado pelos críticos como um dos melhores trabalhos do diretor canadense que constrói, de filme para filme, uma obra tão bizarra quanto pessoal e exigente. "O pequeno refere-se mais às condições da produção", corrige o próprio Cronenberg, numa nova entrevista à AE, esta semana, por telefone, desde Toronto. O repórter diz que é seu melhor filme em anos. Ele concorda: "Fico contente de ouvir isso, porque desde "Gêmeos - Mórbida Semelhança" não havia feito outro filme que também me parecesse tão denso e bem acabado". E, no entanto, pela primeira vez em sua carreira, não foi um filme que Cronenberg tenha escolhido realizar. "Escrevo sempre os roteiros de meus filmes, mas nesse caso o roteiro me foi proposto pelo agente de Ralph Fiennes." "Spider" quebra, portanto, duas escritas na obra do autor. Ele dirige um roteiro alheio e também já sabia que teria de trabalhar com Fiennes, detentor dos direitos do roteiro que o escritor Patrick McGrath adaptou de seu livro. "Em geral não gosto de pensar em atores quando escrevo meus filmes. Espero que o personagem se imponha e termine apontando qual o melhor ator para criá-lo. Nesse caso, ao ler o roteiro sabia que teria de fazê-lo com Ralph, se aceitasse. É um ator com quem sempre quis trabalhar, mas confesso que o fator determinante foi o roteiro de Patrick (McGrath)." Cronenberg confessa que só leu o livro, editado no Brasil pela Companhia das Letras, depois. Faz uma confissão que não deixa de ser surpreendente. "Não estou seguro de que gostaria de fazer o filme a partir do livro. Gostei muito mais do roteiro." E ele acrescenta: "Nunca vi nada parecido. Os escritores em geral são muito ciosos de suas criações. Joseph distanciou-se bastante do próprio livro e pensou o roteiro de Spider realmente em termos de cinema. Fizemos algumas pequenas modificações juntos, mas o trabalho é dele, basicamente. E é brilhante." Recordações - Quando o filme começa, Spider, o personagem de Ralph Fiennes, está desembarcando na estação, em Londres. Vem de um instituto psiquiátrico para retomar sua vida, digamos, normal. Vive obcecado por recordações do passado. Elas giram basicamente em torno do assassinato de sua mãe, que, na mente de Spider, teria sido cometido pelo pai, para ficar com a amante. O filme não termina sem uma revelação surpreendente. No livro, ela é antecipada. Confirma a condição edipiana desse personagem ora trágico, ora patético, que Fiennes interpreta com uma economia de gestos e olhares verdadeiramente minimalista. "Ralph viajou no personagem", conta Cronenberg. Desde que leu o livro e, depois, o roteiro de Patrick McGrath, ele queria viver o personagem. Cronenberg diz que o escritor, filho de um psiquiatra, concebeu, no livro, a história de Spider como sendo realista. "Ele fez o que não deixa de ser o estudo de um caso clássico de esquizofrenia." No roteiro, esse enfoque mudou e mudou mais ainda depois que Cronenberg entrou em cena, como diretor. Parafraseando Gustave Flaubert, que dizia que Madame Bovary era ele, Cronenberg também diz que é Spider. "O tema do filme não é a doença mental, não é o trauma, mas o drama. Há um aspecto do drama de Spider que é universal e foi o que me interessou", ele completa. Por isso mesmo, ele não se importou quando Ralph Fiennes resolveu buscar apoio de especialistas para entender a complexidade do personagem, mas tentou convencê-lo de que a abordagem de "Spider" não deveria vir por aí. "No meu caso, por exemplo, interessei-me muito mais pela filosofia e pela literatura." É, em geral, o que ele costuma fazer. Não costuma ver os filmes de outros diretores que tenham, remotamente, algo a ver com o que se prepara para realizar. Prefere a leitura. Reconhece que talvez existam elementos de "Psicose", de Alfred Hitchcock, e, principalmente, de "O Inquilino", de Roman Polanski, em "Spider", mas não quis saber de ver esses filmes. Preferiu ler Nietzsche e os dois autores que realmente o influenciaram na realização do filme: "Kafka", de "A Metamorfose", e Dostoievski, de "Crime e Castigo" e "Os Irmãos Karamazov". Mais do que a loucura, o drama de "Spider" envolve a discussão de um conceito do que é ser normal. "Acho que o filme trata da oposição entre a normalidade cultural e a clínica", diz o autor. Ele credita o sucesso do filme em boa parte à participação de dois colaboradores de longa data, o diretor de fotografia Peter Suschitzky e o compositor Howard Shore, além de Ralph Fiennes e Miranda Richardson, que interpreta, com grande classe, três papéis diferentes. É a mãe, a amante do pai e a senhoria que acolhe Spider em sua casa. É, por sinal, a única queixa de Cronenberg em relação ao júri do Festival de Cannes deste ano. Há três, quase quatro anos, ele presidiu o júri que deixou de dar a Palma de Ouro ao David Lynch de "História Real", preferindo premiar os diretores belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne, de um filme até hoje inédito no Brasil, chamado "Rosetta". No ano passado, o júri de Cannes era presidido por Lynch e ele se vingou de Cronenberg, preferindo premiar "O Pianista" de Roman Polanski. "É uma imensa bobagem essa história de revanche", diz Cronenberg. A crítica americana me responsabilizou pelo que, para ela, foi a surpreendente premiação de Rosetta, mas eu posso dizer que não houve escolha mais democrática nem consensual de um júri. Não acredito que David também quisesse me prejudicar. Tenho respeito pelo trabalho dele, que, além do mais, compartilha comigo a etiqueta de autor de filmes bizarros." Cronenberg admite, de qualquer maneira, a frustração: "A Palma de Ouro é sempre uma grande recompensa, mas eu teria ficado feliz com prêmios para os meus atores. Miranda é extraordinária. Como o júri conseguiu ignorá-la?" Você, leitor, também talvez se faça essa pergunta, a partir de hoje. Serviço - Spider - Desafie sua Mente (Spider). Ação. Inglaterra-Canadá/2002. Duração: 98 minutos. Cinearte 2, às 14h10, 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas. Cineclube Directv 2, às 15h30, 17h30, 19h30 e 21h30 (quinta não haverá a última sessão). Jardim Sul UCI 2, às 19h20 e 21h30 (hoje e amanhã também 23h40; terça não haverá a última sessão). Pátio Higienópolis Cinemark 3, às 17h10, 19h30 e 22 horas (hoje e amanhã também 0h20; sessões apenas de hoje a quarta). Unibanco Arteplex 5, às 16 horas,18 horas, 20 horas e 22 horas. 16 anos. Estréia na sexta-feira

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