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Crítica: 'Verão 1993' entra no enigma do universo infantil com habilidade

Obra de Carla Simón está na corrida pelo Oscar na categoria de filme estrangeiro

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Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O filme evoca um ano determinado e de início pode parecer uma pastoral por seu bucolismo. Mas nada tem de datado e muito menos de lírico. Verão 1993, da espanhola Carla Simón, trata de tema bem mais árduo – um difícil processo de adaptação, ainda que em aparência bastante favorável.

Cena do filme 'Verão 1993', na corrida pelo Oscar Foto:

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A menina Frida (Laia Artigas) perde, em sucessão, pai e mãe, ambos vítimas da aids. Órfã, deixa então Barcelona e vai morar com os tios numa fazenda no interior da Catalunha. 

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O ambiente é paradisíaco, os parentes são compreensivos e muito acolhedores, Frida brinca ao ar livre com uma prima, etc. Mas há alguma coisa que não funciona. E como poderia ser tudo normal para uma criança que perde pai e mãe para uma doença que, então, nem se ousava nomear? E que, de súbito, se vê sozinha no mundo?

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O filme é quase todo baseado nas sensações dessa criança que enfrenta uma vida difícil, em ambiente estranho. Medos, angústias, a insegurança sempre presente – tudo isso que é tão difícil nomear, quanto mais “mostrar” nessa arte predominantemente visual que é o cinema. 

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No entanto, a diretora, ainda jovem, trabalha sua proposta com bastante simplicidade e eficiência na linguagem cinematográfica. Faz um filme sensorial, sem que a fotografia, lírica, se mostre impositiva ou decorativa, como às vezes acontece. O registro discreto é suficiente para criar no espectador uma relação de empatia com a personagem principal. Isso significa que somos levados a experimentar o que a menina sente e nos compadecemos com ela. Cria-se um laço e uma troca emocional entre obra e público. 

Há algo de muito misterioso no universo infantil. Adultos, nos esquecemos de um tempo em que o mundo era objeto de pasmo, em especial em determinadas situações críticas, como a morte e o sentimento de abandono. Como descrevê-las, se faltam palavras e experiência? Como senti-las, senão com o sentimento difuso da angústia?

Uma obra-prima como O Espírito da Colmeia, de Victor Erice, levou essa situação ao limite, utilizando elementos de sonho e de fantástico para captar os sentimentos de uma menina diante do inexplicável da violência. 

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O voo de Carla Simón não é tão alto. Mas nem por isso insignificante. Pelo contrário. Em sua modéstia narrativa, faz o possível para penetrar no enigma do universo infantil. Não para tentar compreendê-lo de um ponto de vista racional, mas senti-lo. Utiliza, para tanto, uma história que é a sua própria, o que lhe confere o selo da autenticidade – condição necessária mas nem sempre suficiente para uma obra de arte. 

Provavelmente um dos pontos-chave para o êxito artístico de Verão 1993 é a cumplicidade e afinação entre a diretora e a atriz mirim. Como se sabe, a espontaneidade infantil pode ser tanto um trunfo como uma dificuldade para um filme. No caso, a diretora conseguiu utilizar de maneira favorável a proximidade com a pequena atriz para o benefício da obra. O filme ganhou o prêmio para obra de estreante no Festival de Berlim. Tem todo o frescor de obra de iniciante sem seus inconvenientes mais comuns, o principal a tentativa de guardar o universo num primeiro filme. Carla conta apenas uma pequena história, mas o faz tão bem que ela cresce enormemente. 

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