Em Um Belo Verão, a diretora Catherine Corsini faz um estudo de amor difícil, numa época particular, o início dos anos 1970. A época tem interesse particular, em especial na França, o país do maio de 1968. A revolução política de maio fracassou e De Gaulle firmou-se no poder. Porém, o movimento dos jovens, em sintonia com os de outros moços de muitos países do mundo, deu frutos em termos de liberação dos costumes. O planeta não seria mais o mesmo depois dessa derrota que contém aspectos de vitória.
Desse modo, a filha de fazendeiros Delphine (Izïa Higelin) pode rebelar-se e ir a Paris em busca de estudos quando seu namoro com uma garota da região termina, pois esta decide se casar e voltar ao remanso heterossexual. Na capital, uma Delphine desambientada, meio por acaso conhece um grupo de feministas liderado por Carole (Cécile de France), moça liberal, que vive com o namorado. Aprende a participar de assembleias e envolve-se com o grupo. Mas também tem algumas coisas a ensinar às parisienses, em particular a Carole.
O caso seria apenas uma história de amor entre garotas, não fosse a habilidade da diretora Catherine Corsini em ir além do envolvimento particular entre duas pessoas. Faz desse affaire um encontro problemático não apenas entre duas jovens, mas duas formas de pensar – o da cidade e o do campo. Por definição, o comportamento da cidade (ainda mais uma cidade como Paris) é mais aberto, liberal, enquanto o meio rural pede mais conservadorismo e circunspecção. Há isso, mas a diretora coloca certas dissonâncias no esquema, como o fato de ser a moça do interior aquela que dá início ao caso, apanhando de surpresa a inexperiente Carole.
Quando, por motivo de força maior, a dupla regressa à fazenda, a situação se torna mais complexa, pois Delphine sabe que precisa manter aparências, enquanto Carole se mostra disposta a explicitar e expor o relacionamento à luz do dia. Com todos esses aspectos, Um Belo Verão torna-se de fato um filme interessante, pois trata do amor e suas contradições, enquanto esboça o retrato de um tempo e, para quem tiver olhos para ver, de certa forma o compara ao nosso.
É digna de nota, também, a delicadeza com que filma as cenas de amor, não de forma pudica, mas como maneira de preservar o mistério do ato íntimo. Bem diferente do sucesso francês Azul É a Cor Mais Quente, filmado por um homem, Abdellatif Kechiche, e que ganhou a Palma de Ouro em Cannes com as tórridas cenas de amor entre Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux. Kechiche desafia o tabu do explícito, enquanto Corsini prefere o registro mais sutil. São opções. É eficaz, também, na maneira pastoral como trata o caso quando este se desloca da cidade para o interior. As atrizes estão bem, em particular Cécile de France neste papel mais denso.
Não parece gratuito o momento histórico em que Catherine Corsini ambienta sua história de amor lésbico. No momento em que a França, como todo o mundo, enfrenta uma vaga talvez inesperada de conservadorismo, ela relembra que avanços radicais, como os de maio de 1968, podem ser barrados, mas sempre deixam alguma evolução como legado.