Crítica: Thomas Lilti retoma sua experiência como se fosse docudrama

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Numa cena de Hipócrates aparece um televisor no hospital. E, nele, uma cara conhecida do público, a de Hugh Laurie, que faz o Dr. Gregory House na popular série House. A imagem entra no filme de Thomas Lilti como um ‘clin d’oeil’, um piscar de olhos, como dizem os franceses. Quando começou a trabalhar no projeto, Lilti conta na entrevista acima que só ouviu palavras de desestímulo. Amigos, produtores, todos questionavam a validade de um filme sobre plantão médico, já que os norte-americanos exploram tão bem a fórmula.

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Lilti é jovem e obstinado. Formado em medicina, foi residente num grande hospital, antes de virar cineasta. E queria contar algumas das histórias que testemunhou, que ouviu. Hugh Laurie entra para ficar claro que o diretor sabe da encrenca em que se meteu. Pelo menos na França, o filme foi bem de bilheteria, teve boas críticas. Quem sabe até o irritadiço Dr. House gostaria de Hipócrates?

O título remete ao grego que entrou para a história como ‘pai da medicina’. Vincent Lacoste faz o protagonista, Benjamin. É um jovem interno, o próprio nome tem conotação simbólica. “Benjamin’ designa o jovem inexperiente, o caçula. Benjamin tem um pai que é médico famoso. O pai não lhe dá colher. O filho rala no plantão médico. Erra para aprender, e errar quando se lida com a vida humana pode ser complicado. Mas Benjamin ganha apoios, entre eles o de Abdel. O argelino que tenta validar seu diploma de médico no país de origem para poder exercer na França também está fragilizado. Transforma-se no interlocutor de Benjamin.

Hipócrates integrou a seleção da Semana da Crítica no Festival de Cannes do ano passado. Na verdade, foi o filme de encerramento da Semana, o que significa que não concorria aos prêmios da seção. O dia a dia de um grande hospital. Como diz um colega mais experiente para o ‘caçula’, ser médico não é uma carreira, é uma maldição. Lilti começa sua história de forma leve, divertida. Progressivamente, o tom torna-se mais grave. Dramático, até sombrio. Os norte-americanos têm uma definição para esse tipo de filme – ‘dramedy’, dracomédia.

O momento da virada em Hipócrates está ligado ao plantão de Benjamin, e ao paciente que morre pelo que, no limite, não deixa de ser um ato de negligência do interno. Papai dá um jeito de minimizar o episódio, menos em apoio ao filho do que pelas repercussões negativas na ala que administra. Abdel, o excepcional Reda Kateb – César de coadjuvante pelo papel –, é quem vê o episódio em sua real dimensão. O hospital é esse lugar em que médicos e enfermeiros cuidam mais da rentabilidade da instituição que das vidas dos pacientes. Um hospital falido não dá emprego para ninguém.

Lilti não apenas coescreveu o roteiro, com três colaboradores, como filmou no hospital em que foi residente. Isso ajuda a entender por que, apesar do tom humorado do começo, Hipócrates passa, de ponta a ponta, essa sensação de que o público está assistindo a um docudrama. E isso é elogioso para o diretor. O fato de Kateb, apesar das dificuldades, ser o personagem mais positivo de toda a história soma pontos. Como disse Lilti na entrevista. “Meu compromisso, como médico e cineasta, é com a vida. Por isso, quero permanecer otimista, apesar de tragédias como a de sexta-feira, 13.”

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