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Crítica: 'Belfast' sofre com nostalgia, embora tenha sua beleza

Filme começa com crianças brincando, mas, de repente, a brincadeira é substituída pela violência

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

As primeiras imagens, em cor, mostram a cidade contemporânea. Numa passagem rápida, mergulhamos para a cidade do passado, e o registro muda para o preto e branco. Estamos na Belfast de 1969, memória de infância de Kenneth Branagh, que, adulto, se tornaria ator e diretor de filmes shakespearianos e também de produções comerciais. Além da fotografia em preto e branco, a pegada tem viés teatral, ambiente bastante familiar ao diretor. A rua da infância, num bairro proletário da Belfast Norte, não esconde, de fato, sua armação artificial. É uma rua cenográfica, palco do drama familiar e pessoal do garoto Buddy (Jude Hill). Lá ele vive feliz. Conhece todo mundo e todo mundo o conhece, naquela familiaridade proletária perdida no mundo atual, com as pessoas encasteladas em seus apartamentos, com medo da rua e da vizinhança.

Judi Dench foi indicada como melhor atriz coadjuvante por sua atuação em 'Belfast' Foto: Rob Youngson/Focus Features via AP

Não à toa, Buddy não quer nem ouvir falar em sair de Belfast. Tem lá toda sua pequena vida. Suas raízes. E ainda está enrabichado por uma garota. Por isso resiste quando os pais resolvem que é hora de sair dali. De fato, aquele paraíso proletário já não é o mesmo desde que começaram os distúrbios entre católicos e protestantes que iriam cindir a Irlanda do Norte.  O filme está indicado em sete categorias do Oscar, incluindo melhor filme e melhor direção. Buddy vive com sua mãe (Caitriona Balfe) e os avós (Ciarán Hinds e Judi Dench, ambos indicados a melhor coadjuvante). O pai (Jamie Dornan), endividado, trabalha na Inglaterra. Diante do agravamento da situação, pretende levar a família para longe. Para Londres, e talvez para a Austrália. Encontra resistências, e não apenas de Buddy. Há um enraizamento natural das pessoas numa cultura, no local onde nascem e crescem. 

Cena do filme 'Belfast', de Kenneth Branagh, que trata conflios da infância com irreverência Foto: Focus Films

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Branagh usa o ponto de vista da infância para avaliar o mundo dos adultos, recurso frequente do cinema. Basta lembrar de filmes como Minha Vida de Cachorro (1985), do sueco Lasse Hallstrom, Machuca (2005), do chileno Andrés Wood, e O Dia em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), do brasileiro Cao Hamburger.  O recurso ao filtro do olhar infantil é interessante. No entanto, Branagh não se livra da pátina da nostalgia, edulcorando um período duro da história do seu país. Essa dose a mais de glicose estabelece os limites da obra, que tem seus momentos de graça e beleza.

COTAÇÃO: BOM 

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