Cristiano Burlan aborda o assassinato da mãe em nova produção

Documentarista já havia retratado as mortes do pai e do irmão

PUBLICIDADE

Por Amilton Pinheiro
Atualização:

Diante da morte trágica de um parente próximo, o que fazer? E quando essas mortes são de três entes queridos no intervalo de dez anos? O cineasta Cristiano Burlan resolveu documentar em filmes essas perdas dolorosas ocorridas na sua família - do pai, da mãe e de um dos quatro irmãos -, que ele intitulou de Trilogia do Luto. São três documentários, o mais recente Elegia de um Crime, em fase de montagem, que buscam respostas nada objetivas para a tragédia envolvendo sua família. “Para mim, fazer Construção, sobre as circunstâncias suspeitas que levaram à morte do meu pai (um média-metragem de 2007), Mataram Meu Irmão, sobre o assassinato do meu irmão Rafael, de 2013, e agora Elegia de um Crime, sobre a morte brutal da minha mãe, Isabel Burlan, foi um rito de passagem”.+ Cristiano Burlan lança documentário sobre o grupo Estopô Balaio O cineasta, que nasceu em Porto Alegre e veio com a família de classe média baixa para São Paulo, nos anos 1990, cresceu em uma das regiões mais violentas da cidade na época, o Capão Redondo. Uma região em que faltava tudo, menos violência e mortes. Frutos de uma família desestruturada, das mazelas sociais do País e da falta de oportunidades para jovens que moram nas periferias das cidades brasileiras, os quatro filhos homens da família Burlan se envolveram em crimes.

Cineasta. Ele agora finaliza 'Elegia de um Crime' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

PUBLICIDADE

O mais novo, Tiago, passou mais da metade da vida entre cadeias e um presídio federal. Rafael, retratado no documentário Mataram Meu Irmão ( vencedor do Festival É Tudo Verdade), foi assassinado com sete tiros a mando de um policial militar que comandava o tráfico e o roubo de carros na região em que ele morava.+ Cristiano Burlan transforma o luto em arte em 'Mataram Meu Irmão' O outro irmão do meio também foi preso. O próprio cineasta se envolveu em assaltos, e chegou a trocar tiros com a polícia em dois episódios. Em um deles, escapou de uma chacina, mas levou um tiro na cabeça - a bala permanece alojada até hoje. Como conseguiu sair vivo em meio a tanta violência? “Foi uma certa covardia e um apreço pela vida”, explica o diretor, para completar: “Diferente de Rafael, que era metido a valente e sem senso da violência em que estava metido. Perfis como o dele não sobrevivem por muito tempo na periferia”.

O casamento da mãe, Isabel Burlan, com o pai alcoólatra não durou muito. Separados, Isabel foi morar em Uberlândia, onde seria assassinada brutalmente pelo companheiro na época, Jurandir Muniz de Alcântara, em 24 de fevereiro de 2011 - ele continua foragido. Segundo Burlan, ele supostamente já tinha matado uma mulher antes do relacionamento com a sua mãe, e outra depois da morte dela. “Fazer Elegia de um Crime foi muito duro, certamente o mais difícil dos três documentários sobre minhas perdas familiares. Posso dizer que estou suspenso até agora. Atravessei uma linha imaginária que existe quando se tem contato com algo tão traumático e pessoal”, entende Burlan.

O diretor explica que fazer um documentário sobre o assassinato da sua mãe não está relacionado a terapia ou sublimação freudiana, mas sim com uma questão de necessidade e de justiça. “Estamos falando de feminicídio, de milhares e milhares de mulheres mortas pelos seus companheiros e maridos de maneira covarde. Minha mãe agora faz parte de mais uma triste estatística.”

O cineasta espera que, com Elegia de um Crime, o assassino possa ser preso. Durante o processo de filmagens do documentário, o diretor quase chegou ao paradeiro do criminoso, mas não conseguiu localizá-lo. Burlan lamenta que esteja solto até agora. “Se minha mãe fosse de uma família rica, provavelmente a polícia já o teria prendido, mas, como era pobre, não se faz esforço nenhum.”

Se o processo de filmagens do documentário sobre sua mãe foi doloroso para o diretor, a montagem, que faz ao lado de Jean-Claude Bernardet e Renato Maia, está sendo uma extensão desse processo. Entre as imagens que utiliza em Elegia de um Crime, destaca-se uma reportagem realizada por um programa sensacionalista de uma tevê local de Uberlândia, em que sua mãe aparece morta em casa. “Lidar com imagens como essas não é nada fácil. A tragédia com minha família está dentro de mim, mas precisei conhecer esses demônios internos para cuidar muito bem deles. Mas a minha sensação é de que nunca vou fugir desse destino trágico”, compreende Burlan.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.