"Cowboys do Espaço" subverte epopéia ao espaço

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Por Agencia Estado
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Houve um tempo em que a crítica desancava o grande Clint Eastwood como símbolo do machismo e do fascismo que deveriam ser banidos das telas. A líder dessa tendência era a americana Pauline Kael, que não perdoava ao astro o fato de ter sido Dirty Harry. A evolução de Eastwood até o Oscar, que recebeu por Os Imperdoáveis, foi espetacular, mas volta e meia afloram as contradições do ator e diretor. Ele empenhou todo o seu prestígio para fazer filmes como Firefox, a Raposa de Fogo e O Destemido Senhor da Guerra, mas o anticomunismo ralo do primeiro e o belicismo do segundo, justificando a intervenção americana em Granada, causaram mal-estar e embaraço nas hostes eastwoodianas. O desconforto reproduziu-se este ano no Festival de Veneza, onde ele foi mostrar Cowboys do Espaço. O filme que estréia nesta sexta-feira foi recebido a pedradas. Tem mesmo uma subtrama anticomunista que parece despropositada. Mas o começo e o fim são deslumbrantes. Só isso já valeria. Tem mais. Eastwood mistura humor e drama no que não deixa de ser um diálogo com Os Eleitos, de Philip Kaufman. Você se lembra, com certeza, daquele filme, um dos mais belos do cinema americano dos anos 80, adaptado do livro de Tom Wolfe. Os Eleitos reconstituía, com raro vigor, a história da epopéia espacial americana. Eastwood subverte a epopéia, ora pelo riso, ora pela emoção. Seus cowboys do espaço são velhos astronautas cujo sonho de voar foi enterrado nos anos 50. O prólogo, em preto-e-branco, é magnífico. Estabelece os conflitos, mas não o faz da maneira como Hollywood costuma usar essas cenas de apresentação, para mostrar causas cujos efeitos repercutem ao longo da narrativa. A relação causa-efeito de Eastwood tem conotações míticas. Seus astronautas podem ser os melhores, mas como o lendário Chuck Yeager que Sam Shepard criou em Os Eleitos, são alijados do programa espacial americano por seu individualismo. Do fim dos anos 50, a ação salta para o presente. Eastwood e seus amigos são chamados para solucionar um problema. Um satélite russo está desgovernado no espaço. Só Eastwood poderá resolver o problema, pois foi quem desenvolveu o projeto e domina essa tecnologia hoje considerada obsoleta. A subtrama anticomunista é que o satélite, na verdade, não é um veículo de telecomunicação, mas uma arma de guerra. Há um conluio de americanos com os ex-comunistas. Não é a melhor parte de Cowboys do Espaço. A melhor parte, e é maravilhosa, descreve o processo de preparação dos quatro velhinhos para seu vôo espacial. O cinema contou muitas histórias sobre a formação de rapazes inexperientes, recrutas na caserna. O próprio Eastwood fez isso em O Destemido Senhor da Guerra. Desta vez são os velhos que precisam aprender, às vezes desaprender, para adequar-se. O próprio Eastwood e mais Tommy Lee Jones, Donald Sutherland e James Garner são os protagonistas. Fogem ao estereótipo dos velhos rabugentos criados por Jack Lemmon e Walter Matthau. Introduzem o tema da ética num mundo reticente a ela. Eastwood tem carinho por esses personagens. Cria cenas de uma imensa ternura e ainda oferece a Marcia Gay Harden seu mais fulgurante papel. O filme fica mais discutível quando o grupo tem de agir no espaço, mesmo que aí o invidualista Eastwood termine por revelar sua face mais solidária. O deslumbramento volta no fim, o homem na Lua que olha para sempre a Terra, ao som de Frank Sinatra. Fly Me into the Moon, claro. Cowboys do Espaco (Space Cowboys) - Aventura. Direção de Clint Eastwood. EUA/2000. Duração: 130 minutos. Livre.

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