Contadores de história viram tema de filme

A diretora Eliane Caffé, de Kenoma, está concluindo a rodagem de seu novo longa, Narradores de Javé, um mergulho na tradição oral brasileira

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Por Agencia Estado
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Eliane Caffé voltou recentemente de uma temporada de dois meses no sertão baiano e na Chapada Diamantina. A cineasta paulista, diretora de Kenoma, conclui a rodagem de seu novo longa-metragem, Narradores de Javé. E inicia em janeiro o processo de montagem e finalização do filme. Com os R$ 400 mil recebidos no concurso promovido pelo BNDES, a produção captou R$ 1,8 milhão, valor-limite previsto no certificado emitido pelo Ministério da Cultura. Vânia Catani, produtora do filme, anunciou que vai pedir para redimensionar o orçamento. Quer ter condições de captar mais R$ 500 mil para poder investir na sua comercialização. A previsão de lançamento é meados de 2002. "Temos ainda R$ 250 mil do Fonde Sur, do Ministério das Relações Estrangeiras da França, que só pode ser gasto no território francês", diz Vânia Cattani, produtora do filme. "Vamos usar esse dinheiro nos laboratórios franceses, aproveitando que eles têm uma tecnologia muito boa nesse setor. É a última etapa do processo, antes da obtenção das cópias." A gênese de Narradores de Javé remonta às filmagens de Kenoma. Enquanto rodava seu primeiro longa-metragem no interior de Minas Gerais, Eliane ouviu muitas histórias da população local. Entre elas, a de Pedro Cordeiro Braga, da pequena cidade de Vau. Funcionário dos Correios, ele achou uma solução ao mesmo tempo incomum e criativa para manter seu emprego na agência local, ameaçada de fechamento por causa do baixíssimo tráfego de correspondência. Escrevia cartas de próprio punho para a população, justificando assim sua permanência no trabalho. A história de Pedro Cordeiro Braga foi o ponto de partida para a criação do argumento de Narradores de Javé. O carteiro que preservou seu emprego mandando cartas para a população de Vau inspirou também o personagem de Antonio Biá. Trata-se de um ex-funcionário dos Correios da fictícia Javé apaixonado pela arte de escrever. Ele é convocado a apurar como foi constituída a cidade para salvá-la da extinção. Com a construção de uma hidrelétrica próxima dali, ela seria inundada pelas águas da represa e desapareceria do mapa. O argumento e o roteiro foram escritos por Eliane e o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu, repetindo a parceria iniciada em Kenoma. Nesse processo, eles exploraram o universo dos contadores de histórias e resgataram a tradição da cultura oral brasileira. Passaram três meses viajando pelo interior de Minas Gerais e Bahia ouvindo "causos" nas pequenas cidades por onde passavam. Muitas dessas narrativas acabaram sendo incorporadas ao filme. "Da mesma maneira que você pode absorver muita informação, ela também chega processada", conta a diretora. "Fazer essas expedições contamina o ato criativo." O tom predominante é o da comédia. Segundo Eliane, esse tom surgiu no tratamento do roteiro, à medida que a história ia tomando forma. "Esses ´causos´ dos contadores de histórias têm um elemento cômico muito forte", conta ela. "Eu não tinha como fugir da comicidade. Há muito humor nas situações mais adversas no interior do Brasil, até nas histórias mais trágicas. É uma constante." José Dumont, que interpretou Lineu em Kenoma, é outro que retoma a parceria com Eliane. Em Narradores de Javé, ele faz o papel de Antônio Biá, escolhido pela população da cidade fictícia para escrever sua história. "Ele é um fenômeno", diz a diretora. "Tem uma capacidade imaginativa muito grande. O processo criativo dele é impressionante, surpreende a cada momento. Muitas vezes, eu tinha a nítida consciência de que era ele que me dirigia." Além de Dumont, fazem parte do elenco Nelson Xavier, Dirce Migliaccio, Matheus Nachtergaele e Nelson Dantas. O elenco de apoio teve a participação tanto de atores como dos habitantes das regiões onde o filme foi rodado. "O envolvimento deles foi muito maior do que em Kenoma", conta ela. "A entrega foi impressionante e, de alguma forma, ajudou na performance dos profissionais." Foram seis semanas de filmagem em Gameleira da Lapa, perto de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. E mais duas semanas na Chapada Diamantina. A dificuldade de acesso a esses locais foi superada pelo sucesso no contato com a cultura e a população dessas regiões. "O convívio com esse modo de vida é muito importante para entrarmos em contato com uma faceta que representa uma boa parte do Brasil", diz Eliane. "Vivemos num centro que representa tudo que tem de modernidade. Mas quando a gente sai daqui muda tudo. É muito diferente do que a gente imagina." Com patrocínio da Eletrobrás, Odebrecht, RioFilme, Correios, BR Petrobrás Distribuidora, Cemig e Banco do Nordeste, Narradores de Javé ainda tem um caminho longo para percorrer. Há ainda duas cenas para serem rodadas em meados de janeiro. Logo depois, começa o processo de montagem. Mas a primeira cópia só deve estar pronta no fim do primeiro semestre de 2002. A produtora tem contrato de distribuição com a RioFilme. Mas não sabe ainda se Narradores de Javé será lançado apenas por meio da distribuidora carioca. "Pelo que tenho visto do filme, ele pode ter boa resposta do público", diz ela. "Portanto, acho que vamos esperar para mostrá-lo aos executivos das majors. Talvez tenhamos chance de conseguir um contrato com uma Columbia, Warner ou Fox. Vamos ver."

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