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Entenda o sucesso das séries espanholas no Brasil

Listamos quatro motivos para explicar a popularização das séries espanholas no País; 'La Casa de Papel' é um dos sucessos que contribuiu para esse crescimento

Por Larissa Gaspar
Atualização:

“Desta vez, vamos fazê-lo grande”. A frase de Sergio Marquina (Álvaro Morte), o ‘Professor’, resume mais do que as ações do grupo em La Casa de Papel, antes do roubo do ouro no Banco da Espanha - enredo da terceira temporada da série. A frase também é o aviso de que uma nova onda de interesse prometia ganhar o público: o cinema espanhol. Narcos abriu as portas para o idioma, mas foi a estreia do sucesso La Casa de Papel na Netflix que consolidou a tendência no mercado audiovisual brasileiro.

Com 44 milhões de telespectadores, La Casa de Papel é a terceira série mais vista da Netflix Foto: Divulgação/IMDB

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Merlí, Elite, Vis a Vis, As Telefonistas. As séries espanholas estão sendo devoradas pelos oito milhões de assinantes brasileiros da Netflix - e os 104 milhões no mundo. “A Espanha, assim como quase todos os países europeus, precisa lidar com a produção audiovisual levando em conta que seu mercado é inundado com produções americanas. Mas me parece que o cinema espanhol em si nunca deixou de estar em evidência. Desde Almodóvar”, aponta Fabio Francener Pinheiro, doutor em Teoria e Crítica do Audiovisual e professor de Cinema da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

O cinema espanhol promete se destacar ainda mais nos próximos anos com a criação do primeiro centro de produção europeu da Netflix, em Madri. A decisão reflete o aprofundamento do investimento da Netflix na Espanha, com mais de 13 mil pessoas trabalhando em 20 produções originais da plataforma de streaming neste ano. "A Espanha possui uma rica herança de criação de conteúdo inovadora e imersiva, e estamos animados em fortalecer nosso investimento no coração cultural de Madri. De San Sebastian a Santiago do Chile e de Toronto a Tóquio, o conteúdo em espanhol é apreciado pelos membros da Netflix em todo o mundo", afirmou Erik Barmack, vice-presidente internacional da Netflix em entrevista ao New York Times.

Produção original Netflix, Elite teve terceira temporada confirmada para 2020 Foto: Divulgação/IMDB

O consumo do conteúdo espanhol pelos brasileiros foi impulsionado pela chegada da Netflix no Brasil, em 2011. Desde então, é crescente o número de pessoas que estão assistindo a filmes e séries pelas plataformas de streaming. De acordo com a pesquisa “Cultura nas Capitais” de 2018, apesar de a TV por assinatura ser o meio preferido para assistir a um filme em casa, o quadro tende a mudar. Os grupos de 12 a 15 anos e de 16 a 24 anos já consomem filmes e séries majoritariamente pela internet, em plataformas de streaming. É na faixa etária dos 16 aos 24 anos que está a maior porcentagem de pessoas que consomem conteúdo no sistema de video on demand (42%), no qual o consumo é escolhido pelo público em dias e horários convenientes. Atualmente, das dez séries mais assistidas na Netflix, duas são espanholas: Elite e La Casa de Papel.

Dado leva em conta apenas telespectadores que assistiram a pelo menos 70% do episódio Foto: Netflix

“A Netflix não quer dominar o mercado brasileiro com uma produção internacional. Ela quer vir para o Brasil e produzir algo para o brasileiro que a gente não fazia”, ressalta o professor da Academia Internacional de Cinema (AIC), Paulo Marcelo do Vale. Mas, além do conteúdo inovador e da facilidade trazida pelaa plataforma de streaming, por que os brasileiros estão consumindo séries em espanhol? Confira abaixo quatro fatores que explicam este fenômeno:

1) Um caso de sucesso

O êxito de produções como La Casa De Papel chamam a atenção para a produção espanhola atual. Para o professor Fabio Pinheiro, o aumento do consumo de séries em espanhol pelos brasileiros precisa também ser pensado em contexto maior, levando-se em conta facilidade de custo e de acesso. “La Casa de Papel é uma referência pois tem um cuidado imenso com roteiro e valores de produção”, pontua.

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Apesar de filmes e séries possuírem estruturas diferentes, a base da dramaturgia e do gênero são os mesmos. “La Casa de Papel é o famoso Heist Movie, o filme de assalto. Gêneros como este tem apelo popular e como há um caso de sucesso da Espanha, se chega outro produto, o público está propenso a assistir”, explica o professor da AIC, Paulo do Vale.  De acordo com ele, se La Casa de Papel fosse um fracasso, existiria resistência a outro produto espanhol. “É mais na base de comparação. Como é um sucesso, um abre caminho e influencia o gosto do público, que passa a ver o produto espanhol como algo a se consumir”, conta.

O sucesso La Casa De Papel chamam a atenção para a produção espanhola atual Foto: Divulgação/IMDB

2) A cultura do folhetim

A narrativa seriada combinada ao serviço on demand são o formato preferido do público atualmente, dada a correria da vida cotidiana. No entanto, o brasileiro já possuía uma relação afetiva e popular com a narrativa seriada, devido ao sucesso das telenovelas. “Este formato não é invenção da HBO ou Netflix. Já existe há muito tempo, estava no folhetim do século 19, depois migrou para o rádio. Os filmes é que impuseram um tempo mais longo com o filme padrão de 120 minutos. Com a TV nos anos 1950, retorna e nos anos 2000 se renova radicalmente com obras primas como Breaking Bad e Sopranos. Tudo isso contribui para o êxito”, explica Fábio. “Os brasileiros têm costume de ver as séries em TV aberta, mas a Netflix ampliou o cardápio. A gente já tinha as pessoas vendo séries da HBO e eu acredito que é mais apelo popular/qualidade das histórias”, acrescenta Paulo.

Outro fator que explica o sucesso das séries como as espanholas é o envolvimento com o personagem durante meses ou anos. É possível acompanhar o sofrimento, conquistas e medos de seres que não são reais, tornando-se cúmplice deles. “Ao mesmo tempo em que o personagem nos espelha em nossas fraquezas, ele se torna parte de nossas vidas. Não é à toa que até hoje falamos de Fox Mulder House, Walter White, Daenerys, Arya, John Snow. Esta relação afetiva com o personagem é algo que as narrativas seriadas conseguem criar muito bem”, destaca Fábio.

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3) Atualidade e roteiro dos temas

As séries atendem uma ansiedade do público ao criar narrativas e personagens que lidam com problemas e temas contemporâneos e complexos como violência, feminismo e racismo. La casa de Papel, por exemplo, encena um conflito clássico, o do assalto ao banco. “É algo muito forte na história do cinema. Bancos têm uma simbologia forte: estão relacionados a realização de sonhos e também a características negativas como juros. Quando se tem uma série em que um banco é roubado há um certo sentimento complexo envolvido”, explica Fábio.

O professor Paulo explica que por mais óbvio que possa parecer, o brasileiro assiste às séries espanholas porque as histórias são boas. “Isso é fruto, em parte, do domínio do gênero. Essas séries têm apelo popular e qualidade e logo caíram no gosto do público”. A série adolescente Elite, que atraiu o público ao abordar trama de intriga e sexo; e Vis a Vis, que trata da história de mulheres no sistema prisional espanhol, são exemplos de produtos audiovisuais locais universais.

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Merlí encontra formas de abordar temas como filosofia, romance, homossexualidade e privacidade de forma didática. Foto: Divulgação/IMDB

4) Cultura regional: mais do mesmo - só que diferente

Atualmente, as séries não são muito diferentes. Numa série produzida na Argentina, México ou Brasil, a dramaturgia, as personagens e talvez o apelo à violência ou sexo, não mudam muito. De acordo com Paulo, a própria Netflix ao exibir séries independentes impõe um padrão mínimo de produção. Como o produto se torna caro, as fontes de financiamento diminuem e, por consequência, também o experimentalismo. “Por isso, o audiovisual acaba sendo muito parecido. O que as diferencia é a cor e cultura local”, destaca Paulo.

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O que faz uma história ter sucesso é o chamado regionalismo universal: trazer elementos culturais regionais e ao mesmo tempo estar dentro de uma tradição maior.  “Isso provoca um frescor. É o que a gente chama de mais do mesmo só que diferente. Os filmes de terror da Espanha dialogam com a tradição de terror consumida no mundo todo, mas também abordam o franquismo  - um DNA espanhol”, diz. Isso faz com que as séries espanholas cativem o público, fazendo- o querer conhecer aspectos daquela cultura por meio de uma obra universal. 

Netflix planeja produção de séries em outras línguas

A Netflix está produzindo conteúdo original em muitos países. O plano é de ter em breve em torno de séries de cem línguas não inglesas. As plataformas de streaming facilitaram a distribuição de produções locais para todos os cantos do planeta e as mídias sociais ajudam a expor audiências para produtos que antes seriam apenas sucessos regionais. A Netflix “está fazendo grande”, como diria o Professor, e o cinema espanhol está aproveitando deste momento.

Para ficar por dentro da produção espanhola, confira abaixo seis séries para assistir na Netflix:

Merlí

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Com três temporadas disponíveis na Netflix, a série espanhola apresenta um professor de filosofia que utiliza métodos pouco ortodoxos em suas aulas e incentiva os alunos a pensarem livremente. O ensino do professor, Merlí Bergeron (Francesc Orella) divide opiniões entre os próprios alunos, outros professores e familiares. Dirigido por Héctor Lozano, o roteiro encontra formas de abordar temas como romance, homossexualidade e privacidade. Cada episódio leva o nome de um pensador da filosofia que serve como guia para discutir temáticas do cotidiano.

Tempos de Guerra

A série criada por Ramón Campos se passa na Espanha de 1921 – época da Guerra do Rife (1921-1927). Um grupo de enfermeiras da elite de Madri, por ordem da Rainha Vitória Eugênia, vão ajudar a cuidar dos feridos da guerra num hospital instalado no norte da África. Entre as enfermeiras está Julia (Amaia Salamanca), que mesmo não sendo enfermeira, vai com o grupo na esperança de achar seu irmão Pedro (Marcel Borràs) e seu noivo Andrés (Àlex Gadea).

As Telefonistas

Inspirado no livro O Tempo Entre Costuras, de Maria Dueñas, a série se passa na Madri dos anos 1920.A história aborda quatro amigas que vivem a revolução dos costumes ao deixarem suas casas de diversas partes da Espanha para trabalharem como telefonistas numa empresa. A direção é de Rámon Campos e entre o elenco estão Blanca Suárez, Nadia de Santiago e Ana Fernández. Las Telefonistas é uma série que retrata romance, amizade, homossexualidade, violência doméstica e problemas de uma sociedade machista.

O Ministério do Tempo

Na série criada pelos irmãos Pablo e Javir Olivares, três policiais de épocas diferentes trabalham para uma agência secreta e protegem o passado da Espanha de invasores que viajam no tempo para manipular a história. O Ministério do Tempo ocupa lugar de prestígio no cinema espanhol por ter estabelecidos tendências no cenário nacional.  As três temporadas estão disponíveis na Netflix.

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Elite

A produção original da Netflix já está em sua segunda temporada, com previsão de uma terceira para 2020. A série conta a história de três jovens de uma escola pública da Espanha que foram transferidos para um colégio de elite, Las Encinas. O conflito de classes acaba levando a um assassinato. Apesar de serem adolescentes do ensino médio, as histórias dos alunos de Las Encinas são repletas de intensidade. Temas como diversidade religiosa e homossexualidade também estão presentes em Elite.

Vis a Vis

Manipulada pelo homem por quem se apaixonou, Macarena (Maggie Civantos ) comete um crime. Condenada à prisão, ela precisa aprender a viver num ambiente hostil e impiedoso. Com enredo semelhante ao sucesso da Netflix Orange is the New Black, Vis a Vis é uma série que mistura drama e comédia de forma realista e digna de maratona. Estrelado por Alba Flores, a Nairóbi de La Casa de Papel, a série Vis a Visexplora situações que as mulheres enfrentam como relacionamento homossexual, assédio e aborto com questões da prisão como assassinato, drogas e a vida das detentas.

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