Comédia decepciona público do Cine Ceará

Onde os Poetas Morrem Primeiro, primeiro filme dos irmãos Schumann, deve ser rapidamente esquecido pelo público e por eles mesmos. O evento homenageia o cineasta Zé do Caixão

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Por Agencia Estado
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Há um dilema que tira o sono dos organizadores de festival: deve-se começar com o pior ou o melhor dos competidores? Quando se começa pelo melhor, tudo o que vier depois será julgado desfavoravelmente e cria-se o risco de anticlímax no final. Quando se começa pelo pior, o risco é desanimar público, júri e jornalistas - que, no entanto, podem se consolar imaginado que o pior já passou. Aparentemente, esta segunda opção foi a adotada pela direção do Cine Ceará. De fato, difícil imaginar que longa-metragem mais frágil venha a suceder este Onde os Poetas Morrem Primeiro, de Werner e Willy Schumann, do Paraná, exibido no domingo. O filme foi recebido como se esperava, por um público decrescente, entediado e palmas protocolares no fim da sessão. Reação natural para uma comédia que não faz rir. Sempre é bom saber que o cinema nacional é capaz de surpresas como esta que vem do Paraná. Um filme que ninguém sabia estava sendo feito, que usa tecnologia de baixo orçamento - as imagens foram gravadas em vídeo, depois passadas para película por meio de tecnologia nova. Willy e Werner, irmãos gêmeos, univitelinos, parecem gente fina, são bem-humorados, etc. É realmente uma pena que o humor e a criatividade da dupla não passem para o filme que fizeram. Pelo contrário, o resultado é convencional a mais não poder. A história é a de um escritor, que vive um relacionamento terminal com moça que namora há 12 anos, e, talvez por isso, encontre dificuldades para terminar seu segundo romance. Comédia romântica, quer dizer, uma maneira leve de levar a narrativa amorosa, intenção que no entanto não é atingida - a leveza, digamos, à Truffaut, é tudo que não aparece na tela. Como, além disso, o formato é ostensivamente televisivo - excesso de closes, plano e contraplano o tempo todo -, fica realmente difícil acompanhar a história do par. Situação apenas agravada pela idéia, que não se pode dizer inspirada, de alternar cor e preto-e-branco, este para visualizar "cenas" do romance que está sendo escrito por Guido, o personagem central. A bem da indulgência, uma das virtudes cristãs, deve-se considerar Onde os Poetas Morrem Primeiro apenas uma primeira experiência dos irmãos Schumann, que deve ser rapidamente esquecida pelo público e, sobretudo, por eles mesmos. Em benefício dos próprios. Terror ou terrir - Em Fortaleza, José Mojica Marins, o Zé do Caixão, continua o périplo de homenagens que vem recebendo no Nordeste e que começou por São Luiz, no Maranhão. No Ceará, Mojica ganha uma retrospectiva de seu filmes, acompanhada de palestras, workshops e lançamento (tardio) de Maldito, o livro escrito sobre ele pelos jornalistas André Barcinsky e Ivan Finotti. Na abertura das homenagens, um happening precedeu a exibição de À Meia-Noite Levarei Tua Alma, um dos cults do diretor. O espetáculo teve lugar em uma das salas do Espaço Unibanco, no Centro Cultural Dragão do Mar, o mais badalado point de Fortaleza. É lá que os jovens da cidade se reúnem, numa piazza ampla, cercada de edifícios históricos por um lado e a modernidade do centro cultural por outro. Para o evento Mojica, os diretores do cinema montaram um ambiente propício: sala decorada com velas, crânios e caixões, música ambiente tétrica etc. Zé fez a sua entrada triunfal, em indumentária característica, e respondeu a sete (número cabalístico) perguntas dos espectadores. Sucesso mesmo fizeram suas auxiliares, sumariamente despidas, uma interpretada por uma atriz local, outra vinda de São Paulo com o cineasta, e designada, por ele, de "guardiã da terceira força". Zé não explicou de maneira clara que força era essa, mas deduz-se. Rever este filme de 1964 é uma agradável surpresa. Estão lá os elementos das crendices populares, tão bem transmitidos pelo cineasta. São as histórias de terror, não as de Poe, mas aquelas que as nossas babás contavam. Impressionam também a iconoclastia do personagem e planos cinematograficamente muito interessantes. Zé do Caixão come carne na Sexta-feira santa e obriga outras pessoas a comer. Ri de uma procissão que passa, estupra, mata, humilha. Quer gerar um filho perfeito, numa trama que parece inventada por alguém em estado que a psiquiatria define como confusional. No entanto, os planos em que a procissão religiosa é vista ao lado da mesa onde Zé traça tranqüilamente uma coxa de carneiro, e toda a seqüência do estupro, depõem a favor do cineasta. Um artista do paradoxo, tanto primitivo quanto sofisticado, capaz de unir o pior e o melhor no mesmo trabalho. Por isso tem devotos ou detratores, sem meio termo.

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