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Começa filmagem da vida de Garrincha

Primeiras cenas serão rodadas nesta terça na cidade natal do craque; filme se baseia no livro de Ruy Castro e tem André Gonçalvers no papel principal

Por Agencia Estado
Atualização:

Convidado a ocupar um lugar de honra no desfile da Mangueira que homenagearia os grandes nomes do passado, Mané Garrincha pretendia cruzar a pé a passarela da Marquês de Sapucaí para retribuir a ovação que certamente viria das arquibancadas. O físico, porém, traiu sua confiança: com dores no joelho, abalado pela bebida, que não conseguia abandonar, e sentindo os efeitos colaterais dos vários remédios que tomava para a cirrose e que o deixavam anestesiado, o gênio das pernas tortas não suportou o próprio peso e desfilou sentado, lançando um olhar perdido para os que o aplaudiam e, incrédulos, acompanhavam, ao vivo, sua tragédia. A cena melancólica, que marcou o carnaval carioca de 1980, vai abrir o filme Garrincha: A Estrela Solitária, que começa a ser rodado nesta terça-feira na cidade de Pau Grande, no Estado do Rio, onde o craque nasceu em 1933, pelo diretor Milton Alencar. Será um tributo a um dos maiores jogadores do futebol brasileiro e tem como fonte de inspiração o livro Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha (Companhia das Letras), que Ruy Castro lançou em 1995. "Pretendo não apenas mostrar suas jogadas inesquecíveis, mas também os problemas que marcaram sua vida, desde as infiltrações no joelho e o vício da bebida, assim como os vários amores", conta Alencar, que vai dividir a função com Isa Castro. Manuel dos Santos (o nome do meio, Francisco, não consta em nenhum documento oficial) tornou-se Garrincha ainda criança, por se assemelhar a um pequeno pássaro do mesmo nome, marrom, com o dorso listrado de preto, comedor de insetos minúsculos e aranhas. As pernas tortas, em vez de prejudicar, tornaram-se criadoras de jogadas geniais, que o consagraram nas copas da Suécia (1958) e Chile (62), justamente as duas primeiras vencidas pelo Brasil. Para recriar uma figura tão antológica e única ao mesmo tempo, Milton Alencar pensou em diversos atores (como Marcos Palmeira) até se decidir por André Gonçalves, que se notabilizou como participante da segunda Casa dos Artistas, do SBT. "Percebi que ele tem o mesmo espírito ingênuo que marcava o Garrincha", explica o diretor. "Além de também ter se envolvido com muitas mulheres." Votos - Para o papel da cantora Elza Soares, uma das companheiras do jogador, foi escolhida a atriz Taís Araújo, que vai representá-la quando jovem, justamente no ano de 1961, quando eles se conheceram: Garrincha pediu para que o ajudasse a conseguir votos para o concurso "O Jogador mais Popular do Brasil". Taís, que nasceu no ano anterior ao do triste desfile da Mangueira, marcou encontros com a cantora, a fim de receber conselhos e reconhecer seus principais trejeitos. Milton Alencar pretende ser fiel à história contada por Ruy Castro, buscando reproduzir todos os principais detalhes. Prudente, só vai evitar a reencenação dos famosos dribles de Garrincha. A jogada era genial - Mané parava a bola à frente do marcador (ao qual tratava indistintamente por "João") e projetava o corpo para o lado, a fim de induzir o adversário a fazer o mesmo. Mais rápido, voltava ao ponto original e arrancava pela direita. Em seu livro, Ruy Castro conta que Garrincha não se importava em vencer partidas ou conquistar campeonatos: seu prazer estava unicamente em driblar e maravilhar torcidas. "André Gonçalves até tem muita habilidade com a bola, mas seria arriscado fazê-lo reproduzir os passos do Mané", comenta Alencar que, para isso, pretende utilizar cenas do documentário Garrincha, Alegria do Povo, que Joaquim Pedro de Andrade rodou em 1962. A confirmação, porém, depende ainda da liberação da imagem pelo produtor Luiz Carlos Barreto. Um detalhe curioso do documentário de Joaquim Pedro, que Alencar pretende ressaltar, é uma entrevista com um ortopedista, que, analisando as radiografias das pernas de Garrincha, afirma categoricamente que a prática do futebol jamais seria recomendada a alguém com tal desvio. O grande trunfo, porém, está em cenas em película nunca vistas no Brasil da Copa do Mundo de 1962, que serão conseguidas a partir dos arquivos de emissoras de tevê chilenas e mexicanas. O garimpo está sendo feito por produtores do Chile, que se associaram a Alencar e Isa Castro na produção. "Ainda não vimos as imagens, mas estamos certos de que nunca foram vistas por aqui", conta Isa, que está cuidando da fase chilena da produção. Em setembro, entre os dias 10 e 20, a equipe vai se transferir para a capital, Santiago, onde o Brasil conquistou o Mundial de 62 no dia 17 de junho, ao derrotar a Checoslováquia (3 a 1). Esperançosos de ver um show de Pelé, os chilenos se surpreenderam com os dribles mágicos do Mané. "Até hoje, eles dizem que aquela foi a Copa do Garrincha", comenta Isa que, no mês passado, esteve no Chile, pesquisando locações também em Viña del Mar, onde a seleção disputou as partidas iniciais. Amante - Isa foi acompanhada dos atores principais, que foram oficialmente apresentados aos produtores (Azul Produciones, David Mathie e Carosur Produciones). Para marcar a co-produção internacional, a atriz chilena Tatiana Merino vai interpretar o papel de amante do jogador. Para levar a vida conturbada de Garrincha às telas, os produtores tomaram uma medida preventiva: negociaram os direitos com as 11 filhas do jogador, evitando assim o problema jurídico enfrentado pelo livro de Ruy Castro, contestado por elas por causa de passagens sobre o alcoolismo de Garrincha, além da exigência de participar nos lucros das vendas. "Elas foram contratadas pela produção como consultoras, recebendo um salário para isso", conta Alencar. "Foi ótimo, pois pudemos checar datas e histórias." Além das informações fornecidas pelas herdeiras, o roteiro contou ainda com a colaboração de Rodrigo Campos, Aldir Blanc e João Máximo. A produção vai contar com aproximadamente 40 atores e, além dos papéis de Garrincha e Elza Soares, outros nomes importantes serão representados, como os laterais Nílton Santos e Didi e o jornalista Sandro Moreyra, que conviveram intimamente com o jogador. A produção prevê ainda quatro dias de filmagem na Suécia, onde Garrincha não só ajudou na conquista do título de 58 como gerou um filho ilegítimo, Ulf. "Dependemos ainda de conseguir o total do orçamento", comenta Isa Castro. Segundo ela, a produção está orçada em R$ 4,265 milhões e já foram captados R$ 1,35 milhão. "Caso contrário, vamos rodar as cenas em um estúdio em São Paulo."

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