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Com morte de Vittorio Gassman, desaparece mais um mito

O cinema italiano já foi grande. Nos 60, na grande época de Luchino Visconti, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, ocupava o centro do debate intelectual

Por Agencia Estado
Atualização:

Não deixa de ser uma triste coincidência que a morte de Vittorio Gassman ocorra no momento em que o Museu da Imagem e do Som (MIS) promove um ciclo dedicado à grande comédia italiana. Na quarta à noite foi exibido O Incrível Exército de Brancaleone, de Mario Monicelli, em que Gassman não está menos do que extraordinário. Na abertura do evento, o cineasta Ugo Giorgetti disse esperar que o cinema italiano retome seu lugar no mundo. Quem não sonha com isso? Pode-se embaralhar a morte do ator e o ciclo para retirar daí, simbolicamente, a idéia da morte da própria comédia italiana. O cinema italiano já foi grande. Por meio do neo-realismo, exerceu profunda influência sobre uma cinematografia pobre e periférica como a brasileira, nos anos 50. Nos 60, na grande época de Luchino Visconti, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, hoje mortos ou reduzidos a uma semi-atividade, na época das provocações de Pier-Paolo Pasolini, ocupava o centro do debate intelectual. Esses grandes autores não deixaram herdeiros. Há uma nova geração que ainda não explodiu, pelo menos internacionalmente. A morte da comédia privou o cinema italiano de sua vertente mais popular. O resultado é crise, por mais que os diretores italianos hoje mais conhecidos no mundo - Nanni Moretti, Roberto Benigni - atuem na vertente da comédia. Gassman foi, no teatro, um grande ator dramático. Por sua envergadura cênica era chamado de Laurence Olivier da Itália. No cinema, foi, fundamentalmente, um ator de comédias. Mas, atenção, a grande comédia italiana - a de Dino Risi, de Luigi Comencini e Monicelli -, foi sempre uma tragicomédia. Por mais que sejam, ou tenham sido, importantes "O Incrível Exército de Brancaleone" e "Nós Que nos Amávamos Tanto", de Ettore Scola, os maiores momentos de Gassman no cinema ocorreram sob a direção de Risi. "Aquele Que Sabe Viver" (Il Sorpasso) é uma obra-prima, mesmo que os críticos hesitem em atribuir a classificação a um filme que se situa na vertente do humor popular. Risi, em "Aquele Que Sabe Viver", parte do humor para expressar a angústia, a malaise contemporânea. Subverte o humor pelo drama e cria uma tragicomédia que discute, como poucas, a alienação, a solidão, o sentido da vida. Não há exagero em dizer que, com esse filme, ele se impôs como um Antonioni do humor. Mais desopilantes, os esquetes de "Os Monstros" são hilariantes sem deixar de ser também reflexivos sobre a condição do homem. Grande Risi, grande Gassman. Evocam uma fase que foi gloriosa, um tempo em que o cinema italiano, como o francês, para citar outro exemplo, era forte no mercado brasileiro. Hoje esse mercado existe quase que só em função de Hollywood. A morte de Gassman é uma morte simbólica. Felizmente existem ciclos como o do MIS, que iluminam a tela não apenas com o carisma da personalidade do grande ator, mas também com a força de autores que conciliam o nacional e o popular, transformando tudo isso em grande arte.

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