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'Climas' coloca cineasta turco no rol dos autorais

Filme traz realidade dos casais na obra de Nuri Bilge Ceylan; desintegração da dupla começa no verão

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Houve um rápido fulgor do cinema turco, no começo dos anos 80, quando o diretor Yilmaz Guney, preso por suas convicções políticas, conseguiu realizar da cadeia - por procuração, dando instruções precisas a seus assistentes - três filmes, um dos quais, Yol (A Permissão), ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1982 - dividida com Missing, O Desaparecido - Um Grande Mistério, de Costa-Gavras. Há agora um ressurgir do cinema turco e o grande nome desta nova onda é Nuri Bilge Ceylan, de quem a Mostra acaba de exibir o filme mais recente, Three Monkeys. Estréia hoje o filme anterior do cineasta, uma obra densa e forte que, imediatamente, se credencia a ser um dos grandes destaques do ano. Em 2006, Climas (Climats) concorreu em Cannes. Ignorado pelo júri oficial - que preferiu Ventos da Liberdade, de Ken Loach -, o filme recebeu o prêmio da crítica.   Veja também: Trailer de 'Climas'    Foram dois encontros do repórter do Estado com Ceylan. O primeiro ocorreu em Cannes, integrando um pequeno grupo de jornalistas. O segundo, mais para o final do mesmo ano, no Festival de Tessalônica, na Grécia, que homenageava o cinema brasileiro - e o autor turco. Foi possível integrar outro grupo que entrevistava Ceylan. Ele não é só diretor, mas também faz o protagonista de Climas. Isa é o nome do personagem e ele é egoísta, machista, irônico num sentido que provoca e até irrita as pessoas ao seu redor. "Talvez eu seja assim mesmo", dizia Nuri Bilge Ceylan, que assumia que o personagem, mesmo não sendo autobiográfico, tem muita coisa dele. E Ceylan acrescentava - "Acho que carregar nas qualidades negativas torna o filme mais interessante, e crítico. Se interpretasse um tipo mais simpático, vocês me achariam auto-indulgente e não iam acreditar nem um pouco. Com Climas, ocorre uma coisa engraçada. Eu acho que é um filme sobre o homem, mas como sou crítico em relação ao personagem e fascinado pelas mulheres, elas acham que é sobre elas."   Bahar, que faz a co-protagonista, é interpretada pela mulher do diretor, Ebrun. "Ela já havia feito pequenos papéis em meus filmes anteriores, mas desta vez achei que seria interessante contracenarmos. Climas conta a história da desintegração de um casal e, se eu faço o protagonista masculino, pensei que Ebrun poderia muito bem fazer sua mulher. Ebrun acompanhou o processo de desenvolvimento do roteiro. Ela conhecia muito bem a personagem, e até a enriqueceu com observações e sugestões. Além do mais, ela própria é diretora e já concorreu em Cannes com um curta-metragem. Senti que precisava de alguém como Ebrun, a quem conheço bastante e que também me conhece intimamente. Como nossos personagens não falam muito, achei que ficaria mais fácil ou, quem sabe, verdadeiro, passar a tensão que acompanha o desgaste cotidiano de uma relação."   Ele não teve medo que isso terminasse por contaminar o próprio casamento? "Nunca consideramos que houvesse esse risco. Foi mais um jogo que ambos, como artistas, resolvemos jogar." Você já viu muitos outros filmes que se valem do ciclo das estações, buscando apoio em cada uma delas para expressar na tela os diferentes momentos da vida de uma pessoa, ou da relação de um casal. "Em geral, o verão corresponde ao momento de felicidade, e eu resolvi subverter esse velho clichê. O verão já carrega todos os signos da desintegração, mas naturalmente que o outono e o inverno são piores", define o diretor. Ceylan revela que, por uma questão de tempo, escreveu e filmou primeiro a parte do verão, que rendeu material para um filme de duas horas. Só depois ele escreveu (e filmou) o outono e o inverno, já prevendo a duração integral do filme e procurando ser o mais concentrado possível.   O filme não tem esse título por acaso. "Climas custou mais caro do que qualquer dos meus filmes anteriores, é verdade porque foi pós-sincronizado no exterior, em Paris. Quando recorri ao fundo do Eurimages, em busca de recursos, eles me exigiram um título e um roteiro. Tive de providenciar rapidamente os dois, o que não é bem meu método. Mas o título casava bem com a história que queria contar. Além do mais, Climats é o título de um livro de que gosto muito, de André Maurois." Mas Climas tem outro significado. Pela primeira vez, Ceylan não foi o próprio fotógrafo, embora tenha continuado a manipular - ele admite - o profissional encarregado da iluminação. "Do enquadramento continuei me ocupando eu." Ele sempre foi atraído pela paisagem, pelo que ela agrega à experiência humana. "Acho que o título ressalta essa dimensão cósmica. As paisagens e estações revelam tudo sobre os personagens." Mas o filme não tem primavera. Por quê? "Pelo óbvio. Não queria fechar um ciclo para recomeçar. Climas não é sobre isso."   Climas (Iklimler, Turquia-França/2006, 101 minutos) - Drama. Direção Nuri Bilge Ceylan. 14 anos. Cotação: Ótimo

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